Voltei a pensar em ti...
"Sentada num banco do jardim olho a árvore.
A mesma que, da janela do meu quarto, atravessa as cores e o vento e o cheiro das estações. Sei que os troncos nus e vazios da noite acordam vestidas de folhas, as folhas enfeitam o jardim de verde-novo, amarelecem e vão-se embora. Não tem importância nenhuma porque é sempre assim, sem novidade. Prefiro a ausência, uma saudade arrefecida, uma saudade que nos faz ter tempo para recuar e olhar para dentro. A saudade não, não sobra tempo para nada, porque todo o tempo do mundo lhe pertence. Por isso gosto da ausência, tem a virtude de seleccionar o melhor, dar lustro às imagens que julgávamos desimportantes, a passar um mata-borrão nas más. Na ausência, resolvemo-nos por dentro e acertamos contas com a memória das coisas boas. Como a luz do teu olhar, sempre que alongávamos a vista pelas ondas altas de espuma a rebentarem do outro lado da estrada e te ouvia a falar do juízo da vida. Ou quando nos sentávamos nos degraus de pedra a escutar o silêncio dos cedros que varriam as nuvens devagarinho para perto do mar. Ou simplesmente nada.
No nada que nos separa agora cabe lá tudo o que quisermos. É melhor que não voltes. Quando voltas, baralho a ausência com a saudade e confundo tudo. Não posso fazer travar a história dividida das nossas vidas, nem amplia-la à minha maneira para que a lembres melhor.
Do que serve colar “cromos” de um metro e oitenta, cultos e tudo, na caderneta?
Ceder à tentação de um “new-look” ultra arrojado?
As massagens de requinte asiático que nos devolvem o corpo de vinte anos?
Viver de sopa e ananás quinze dias seguidos?
Chorar ao colo do psiquiatra ou fugir para as Maldivas?"
in "Coração de Cetim", Maria de Lopo de Carvalho
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