quarta-feira, julho 19, 2006

Sobre um tecto de nuvens brilha o sol...

"Imagino que os foguetes desta noite (mais do que um «olá!») tenham servido para dizer «adeus!», quase de fugida. Suponho que quem os lançou estivesse animado pelo fascínio de mudar de vida numa noite e esteja disposto a casar com o ano novo antes, ainda, de trocar com ele um galanteio ou de sentir, por isso, o friozinho com que o coração nos recomenda a namorar.
Embora pareça, não é verdade que as pessoas más aumentem, em número, com a idade. Na verdade, roubam-nos à festa, e é por elas que, todos os anos, aquilo que (dantes) era colorido, com o tempo, parece escurecer (devagarinho), tornando-nos medrosos e desconfiados. No fundo, esperamos muito que todos os gestos que trazemos, entreabertos, encontrem - num só alguém - a sua redenção (que, de uma vez, nos leve do dia em que ganhou luz e cor, em nós, ao ano novo).

Mas nem sempre um ano novo afasta todas as nuvens do olhar (como, afinal, tantos foguetes nos levariam a supor).Porque é que, apesar de ser Janeiro todos os anos, parece ser - tão poucas vezes - ano novo? Pode um adeus ser motivo de festa ou de euforia? Pode. Se tanta exaltação trouxer... alívio. Mas, se for assim, tantos estrondos coloridos não são de boas-vindas. Nem trazem consigo a respiração, ofegante, que nos atrapalha antes, ainda, de o nosso coração compreender que a vida insiste em ser nossa namorada.

Por mais que os anos se renovem, estar vivo é nunca dizer adeus. É inventarmo-nos, sem deixarmos de ser tudo o que somos. Por força do brilho, colorido, de um namoro, que nos torne mais fáceis e mais bonitos. Já mudar de vida é tudo o que sobra quando falta com quem nos transformarmos. Quem dera, pois, que - a partir de hoje - o novo ano nos proibisse, a todos, de namorar para casar. E nos ensinasse, com o esplendor de um clarão, que namorar é confiarmo-nos (a quem abra janelas onde, antes, parecia só haver sítios escurecidos). Sem precisarmos, nunca, de saber onde nos leva.
Namorar - para que nos leve, directamente, ao ano novo - faz-se de paixão e de «logo se vê!...». Não se planeia: aceita-se. Com medo e com júbilo, mas de surpresa. Desfia-se, para além do sonho e da vontade, e é - digamos assim - um compromisso feito, unicamente, entre um coração e o seu, irreverente, palpitar. Mesmo que amarrote por dentro. E que engasgue. E nos ponha a dizer «parvo!...» sempre que apetece, de mansinho, dizer «gosto de ti...». Namorar torna-nos comoventes e audazes. Tontos, brincalhões e ternurentos."

Eduardo Sá

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