quinta-feira, agosto 24, 2006

Procura...

"Ele procurava o amor apenas nos lugares errados.

Num Verão que lhe pareceu interminável, procurou o amor numa quinta onde havia ovelhas, gansos e cavalos; onde havia a filha do dono e as primas que vinham de França passar as férias e que tomavam banho ao fim da tarde no tanque de rega. Ele espalhava mangueiras pela horta e ouvia os gritos delas a caírem dentro de água. No inicio do Outono, olhava para as águas paradas do tanque e parecia ouvir ainda a ilusão de risos submersos.
Quando partiu um braço, foi levado de ambulância para a cidade e decidiu aproveitar o tempo procurando o amor no hospital. Andava pelos corredores de braço engessado. Olhava ao longe as raparigas que vinham às visitas. Ninguém o vinha visitar e, no entanto, nesses poucos dias, passava todos os instantes à espera da hora da visita. Quando lhe disseram que podia ir para casa, ficou triste e considerou partir o outro braço.

Uma vez por ano, no primeiro domingo de Maio, vestia a melhor camisa que tinha, umas calças lavadas, umas botas engraxadas, e ia procurar o amor na Feira de Maio. Passava horas a olhar para os carros de choque. Às vezes, ria-se sozinho, contagiado pelo riso dos outros. Nesse dia, jantava farturas e era sempre o último, entre ciganos, a ver as tendas serem arrumadas, as portas das carrinhas a fecharem-se, as caixas de sapatos vazias a serem arrastadas pelo vento.
Sentava-se no barbeiro, ouvia os homens a falar e, pelas conversas, tentava descobrir novos lugares para procurar o amor. Ia ao terreiro. Ia à fonte. Ia ao jardim. Dava voltas ao coreto onde não se lembrava de alguma vez ter visto uma banda tocar. Nunca tinha encontrado o amor, mas sabia que iria continuar sempre a procurá-la e, quando se parava a pensar nele, acreditava que iria saber reconhecê-la."

José Luís Peixoto

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