Beijos...
"Antes do instante assinalado em que existe, o primeiro beijo é sempre um mistério. Pode olhar-se para lábios desconhecidos durante muito tempo, pode imaginar-se, mas haverá sempre tudo aquilo que não se conseguiu prever nem avaliar: afinal não havia maneira de compreende-los.
Ao terminar, o primeiro beijo parecerá sempre que foi demasiado breve: começou e acabou. Dentro do seu tempo, no entanto será enorme porque no mundo inteiro não existiu mais nada. Tudo se suspendeu nesse instante que se subdividiu numa infinidade de instantes, nos quais se avançou às escuras pelo caos das descobertas sucessivas. Mais tarde, depois do fim, esse instante de vida irrepetível será repetido vezes e vezes na memória, será impossivelmente revivido. Aquilo que andamos aqui a fazer, até morrermos, pode ser pontuado por todos os primeiros beijos que conseguimos e pudemos e quisemos dar, receber.
Para ele era assim. Era nisto que acreditava e que lhe acontecia sempre, em cada beijo. Havia mais de quinze anos que beijava a sua mulher e, em todas as vezes, todas, era diferente. Cada beijo era sempre um primeiro beijo. E, em cada um, havia o momento em que existia e havia, depois, a sua memória.
Para ela, que também o beijava havia mais de quinze anos, não era assim. Desde a primeira vez, que não encontrava qualquer sabor nos lábios dele, sentia-os como uma amálgama informe de pele áspera e seca. Gostava da sua simpatia, do hábito, da organização. Detestava os seus beijos. No emprego, felizmente, havia um homem, mais velho, que já tinha reparado nela e em quem ela já tinha reparado. O seu pequeno problema seria resolvido em breve."
José Luís Peixoto
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