domingo, fevereiro 05, 2006

Segunda ou terça-feira...

"Preguiçosa e indiferente, vibrando facilmente o espaço com suas asas,
conhecendo seu rumo, a garça sobrevoa a igreja por baixo do céu.
Branca e distante, absorta em si mesma, percorre e volta a percorrer o céu,
avança e continua.
Um lago? Apaguem suas margens! Uma montanha?
Ah, perfeito - o sol doura-lhe as margens. Lá ele se põe.
Samambaias, ou penas brancas para sempre e sempre.

Desejando a verdade, esperando-a, laboriosamente vertendo algumas palavras,
para sempre desejando - (um grito ecoa para a esquerda, outro para a direita.
Carros arrancam divergentes, para sempre desejando
com doze batidas eminentes, o relógio assegura ser meio-dia;
a luz irradia tons dourados; crianças fervilham) - para sempre desejando a verdade.
O domo é vermelho; moedas pendem das árvores;
a fumaça arrasta-se das chaminés; ladram, berram,
gritam "Vende-se ferro!" - e a verdade?

Radiando para um ponto, pés de homens e pés de mulheres,
negros e incrustados a ouro - (Este tempo nublado - Açúcar?
Não, obrigado - a comunidade do futuro) - a chama dardejando e enrubescendo
o aposento, exceto as figuras negras com seus olhos brilhantes,
enquanto fora um caminhão descarrega, Miss Fulana toma chá à escrivaninha
e vidraças conservam casacos de pele.

Trêmula, leve-folha, vagueando nos cantos, soprada além das rodas,
salpicada de prata, em casa ou fora de casa, colhida, dissipada,
desperdiçada em tons distintos, varrida para cima, para baixo, arrancada,
arruinada, amontoada - e a verdade?

Agora recolhida pela lareira, no quadrado branco de mármore.
Das profundezas do marfim ascendem palavras que vertem seu negrume.
Caído o livro; na chama, no fumo, em momentâneas centelhas - ou agora viajando,
o quadrado de mármore pendente, minaretes abaixo e mares indianos, e
nquanto o espaço investe azul e estrelas cintilam - verdade?
Ou agora, consciente da realidade?

Preguiçosa e indiferente, a garça retoma; o céu vela as estrelas; e então as revela."

Virginia Woolf

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