quarta-feira, maio 16, 2007

Tu és do sexo das formas sonhadas...

"Tu és do sexo das formas sonhadas, do sexo nulo das figuras .
Mero perfil às vezes, mera atitude outras vezes, outras gesto lento apenas - és momentos, atitudes, espiritualizadas em minhas. Nenhum fascínio do sexo se subentende no meu sonhar-te, sob a tua veste vaga de madonna dos silêncios interiores. Os teus seios não são dos que se pudesse pensar em beijar-se. O teu corpo é todo ele carne-alma, mas não é alma é corpo. A matéria da tua carne, não é espiritual mas é espírito. És a mulher anterior à Queda, escultura ainda daquele barro que paraíso. O meu horror às mulheres reais que têm sexo é a estrada por onde eu fui ao teu encontro. As da terra, que para serem têm de suportar o peso movediço de um homem - quem as pode amar, que não se lhe desfolhe o amor na antevisão do prazer que serve o sexo? Quem pode respeitar a Esposa sem ter de pensar que ela é uma mulher noutra posição de cópula… Quem não se enoja de ter mãe por ter sido tão vulvar na sua origem, tão nojentamente parido? Que nojo de nós não punge a ideia da origem carnal da nossa alma - daquele inquieto corpóreo de onde a nossa carne nasce e, por bela que seja, se desfeia da origem e se nos enoja de nata"

in “Livro do Desassossego”, Fernando Pessoa

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