quarta-feira, outubro 24, 2007

Dia conseguido...

Quem é que viveu já um dia conseguido? À partida, a maioria não hesitará provavelmente em afirmá-lo. E será, pois, necessário continuar a indagar. Queres dizer «conseguido» ou somente «belo»? É de um dia «conseguido» que falas, ou de um - é verdade que igualmente raro - «despreocupado»? Constitui para ti um dia que decorreu sem problemas já só por si um dia conseguido? Vês alguma diferença entre um dia feliz e o conseguido? Dizer, com a ajuda da memória, deste ou daquele dia conseguido é para ti diferente de o fazer agora mesmo, imediatamente na sua sequência, sem uma metamorfose pelo tempo-entre, na noite do mesmíssimo dia cujo qualificativo não pode depois ser um «superado» ou «ultrapassado», mas unicamente «conseguido»?

in Ensaio sobre o Dia Conseguido, Peter Handke

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sexta-feira, outubro 19, 2007

Hoje sinto-me assim...

Reese Witherspoon

Não é que não goste de passear mas ir para Madrid e ainda por cima em trabalho... erghhh!
E mais!! é o mesmo caminho que vai direitinho para Barcelona, acho que me vou enganar e fazer um desvio até ao Passeig de Garcia.... são só 600km a mais... Ups...

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Florir...

"O florir do encontro casual
Dos que hão sempre de ficar estranhos...

O único olhar sem interesse recebido no acaso
Da estrangeira rápida ...

O olhar de interesse da criança trazida pela mão
Da mãe distraída...

As palavras de episódio trocadas
Com o viajante episódico
Na episódica viagem ...

Grandes mágoas de todas as coisas serem bocados...
Caminho sem fim..."

Álvaro de Campos

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quarta-feira, outubro 17, 2007

Meu amor querido...

"Adoro-te minha gata de Janeiro meu amor minha gazela meu miosótis minha estrela aldebaran minha amante minha Via Láctea minha filha minha mãe minha esposa minha margarida meu gerânio minha princesa aristocrática minha preta minha branca minha chinezinha minha Pauline Bonaparte minha história de fadas minha Ariana minha heroína de Racine minha ternura meu gosto de luar meu Paris minha fita de cor meu vício secreto minha torre de andorinhas três horas da manhã minha melancolia minha polpa de fruto meu diamante meu sol meu copo de água minhas escadinhas da Saudade minha morfina ópio cocaína minha ferida aberta minha extensão polar minha floresta meu fogo minha única alegria minha América e meu Brasil minha vela acesa minha candeia minha casa meu lugar habitável minha mesa posta minha toalha de linho minha cobra minha figura de andor meu anjo de Boticelli meu mar meu feriado meu domingo de Ramos meu Setembro de vindimas meu moinho no monte meu vento norte meu sábado à noite meu diário minha história de quadradinhos meu recife de Manuel Bandeira minha Pasargada meu templo grego minha colina meu verso de Höderlin meu gerânio meus olhos grandes de noite minha linda boca macia dupla como uma concha fechada meus seios suaves e carnudos meu enxuto ventre liso minhas pernas nervosas minhas unhas polidas meu longo pescoço vivo e ágil minhas palavras segredadas meu vaso etrusco minha sala de castelo espelhada meu jardim minha excitação de risos minha doce forquilha de coxas minha eterna adolescente minha pedra brunida meu pássaro no mais alto ramo da tarde meu voo de asas minha ânfora meu pão de ló minha estrada minha praia de Agosto minha luz caiada meu muro meu soluço de fonte meu lago minha Penélope meu jovem rio selvagem meu crepúsculo minha aurora entre ruínas minha Grécia minha maré cheia minha muralha contra as ondas meu véu de noiva minha cintura meu pequenino queixo zangado minha transparência de tules minha taça de oiro minha Ofélia meu lírio meu perfume de terra meu corpo gémeo meu navio de partir minha cidade meus dentes ferozmente brancos minhas mãos sombrias minha torre de Belém meu Nilo meu Ganges meu templo hindu minha areia entre os dedos minha aurora minha harpa meu arbusto de sons meu país minha ilha minha porta para o mar meu manjerico meu cravo de papel minha Madragoa minha morte de amor minha Ana Karénine minha lâmpada de Aladino minha mulher."

in "D'este viver aqui neste papel descripto", Cartas de Guerra, António Lobo Antunes

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Ah, já ta tudo lido...

"Ah, já está tudo lido,
Mesmo o que falta ler!
Sonho, e ao meu ouvido
Que música vem ter?

Se escuto, nenhuma.
Se não ouço ao luar
Uma voz que é bruma
Entra em meu sonhar

E esta é a voz que canta
Se não sei ouvir…
Tudo em mim se encanta
E esquece sentir.

O que a voz canta
Para sempre agora
Na alma me fica
Se a alma me ignora.

Sinto, quero, sei que
Só há ter perdido -
E o eco de onde sonhei-me
Esquece do meu ouvido."

Fernando Pessoa

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sábado, outubro 06, 2007

...

"A pintura não se faz para decorar.
É um instrumento de guerra que serve para ataque e defesa contra o inimigo."

Pablo Picasso

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Anjo...

autor desconhecido

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Deitei a cabeça em cima da fotografia...

"Deitei a cabeça em cima da fotografia
e com a respiração despertei teu corpo
do sítio penumbroso onde viveras
o tempo não se gastou
passei estes anos a colocar as coisas
nos seus devidos lugares
ainda ouço
a voz outonal das palmeiras e o murmúrio
do vento cercando a casa protegida pelo bolor
era uma pequena ilha dizias
onde os ruídos duma vida anterior a esta
dormitavam ainda

agora está tudo arrumado
agito-me em volta das coisas
mas nada posso corrigir
o que está feito está feito

levanto-me daqui e corro para o telefone
tento saber se estás onde penso existir
uma cidade... ninguém responde

onde estarás?
deste ou do outro lado do telefone?
um puto irrompe da insónia
deitando-me a língua de fora

de qualquer maneira não consegui a ligação."

in "O Medo", Al Berto

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