sexta-feira, junho 30, 2006

Não entendo...

"Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma bênção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo."

Clarice Lispector

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The waiting

Gustave Klimt

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Afinidade é um dos poucos sentimentos que resistem ao tempo...

"Afinidade é um dos poucos sentimentos que resistem ao tempo e ao depois.
A afinidade não é o mais brilhante, mas o mais subtil, delicado e penetrante dos sentimentos.
É o mais independente também. Não importa o tempo, a ausência, os adiamentos, as distâncias, as impossibilidades. Quando há afinidade, qualquer reencontro retoma a relação, o diálogo, a conversa, o afecto no exacto ponto em que foi interrompido.
Ter afinidade é muito raro. Mas, quando existe não precisa de códigos verbais para se manifestar. Existia antes do conhecimento, irradia durante e permanece depois que as pessoas deixaram de estar juntas. Afinidade é ficar longe pensando parecido a respeito dos mesmos fatos que impressionam, comovem ou mobilizam. É ficar conversando sem trocar palavras. É receber o que vem do outro com aceitação anterior ao entendimento. Afinidade é sentir com, Não é sentir contra, Nem sentir para, Nem sentir por, Nem sentir pelo. Sentir com é não ter necessidade de explicar o que está sentindo. É olhar e perceber. É mais calar do que falar, ou, quando é falar, jamais explicar: apenas afirmar. Afinidade é ter perdas semelhantes e iguais esperanças. É conversar no silêncio, tanto nas possibilidades exercidas quanto das impossibilidades vividas. Afinidade é retomar a relação no ponto em que parou sem lamentar o tempo de separação. Porque tempo e separação nunca existiram. Foram apenas oportunidades dadas (tiradas) pela vida."

Arthur da Távola

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Lunch on the grass...



"Naquele pic-nic de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandeza,
Em todo o caso dava uma aguarela.
Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.
Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampávamos, inda o Sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão-de-ló molhado em malvasia.
Mas, todo púrpuro a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro de papoulas!"

Cesário Verde
imagem: E. Manet

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Melancholy...

Giorgio de Chirico

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Sozinho...

"Às vezes, no silêncio da noite
Eu fico imaginando nós dois
Eu fico ali sonhando acordado, juntando
o antes, o agora e o depois
por que você me deixa tão solto?
por que você não cola em mim?
Tô me sentindo muito sozinho!

Não sou nem quero ser o seu dono
É que um carinho às vezes cai bem
Eu tenho meus segredos e planos secretos
só abro pra você mais ninguém
por que você me esquece e some?
e se eu me interessar por alguém?
e se ela, de repente, me ganha?

Quando a gente gosta
é claro que a gente cuida
fala que me ama
só que é da boca pra fora
ou você me engana
ou não está madura
onde está você agora?

Quando a gente gosta
é claro que a gente cuida
fala que me ama
só que é da boca pra fora
ou você me engana
ou não está maduro
onde está você agora?"

Caetano Veloso

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quinta-feira, junho 29, 2006

...

"A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida."

Vinicius de Morais

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Dormi contigo a noite inteira junto do mar...

"Dormi contigo a noite inteira junto do mar, na ilha.
Selvagem e doce eras entre o prazer e o sono,
entre o fogo e a água.
Talvez bem tarde nossos
sonos se uniram na altura e no fundo,
em cima como ramos que um mesmo vento move,
em baixo como raízes vermelhas que se tocam.
Talvez teu sono se separou do meu e pelo mar escuro
me procurava como antes, quando nem existias,
quando sem te enxergar naveguei a teu lado
e teus olhos buscavam o que agora - pão,
vinho, amor e cólera - te dou, cheias as mãos,
porque tu és a taça que só esperava
os dons da minha vida.
Dormi junto contigo a noite inteira,
enquanto a escura terra gira com vivos e com mortos,
de repente desperto e no meio da sombra meu braço
rodeava tua cintura.
Nem a noite nem o sonho puderam separar-nos.
Dormi contigo, amor, despertei, e tua boca
saída de teu sono me deu o sabor da terra,
de água-marinha, de algas, de tua íntima vida,
e recebi teu beijo molhado pela aurora
como se me chegasse do mar que nos rodeia."

Pablo Neruda

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Eu quero...

Um "antique silk kimono" de Patrick Robinson... ai ai

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O Espaço do poeta...

“A escrivaninha negra com entalhes, os dois candelabros de prata,
o cachimbo vermelho. Está sentado, quase invisível, na poltrona,
com a janela sempre às suas costas. Por detrás dos óculos,
enormes e cautos, observa o interlocutor
à luz intensa, ele próprio oculto dentro de suas palavras,
dentro da História, com personagens seus, distantes, invulneráveis,
capturando a atenção dos outros nos delicados revérberos
da safira que traz num dedo, e alerta sempre para saborear-lhes as
expressões, nos momentos em que os tolos efebos
humedecem os lábios com a língua, admirativamente. E ele,
astuto, sôfrego, sensual, o grande inocente,
entre o sim e o não, entre o desejo e o remorso,
qual balança na mão de um deus, ele oscila por inteiro,
enquanto a luz da janela atrás lhe põe na cabeça
uma coroa de absolvição e santidade.
"Se a poesia não for a remissão - murmura a sós consigo -
não esperemos então misericórdia de ninguém."

Yannis Ritsos

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A traição...

"Quando do cavalo de Tróia saiu outro
cavalo de Tróia e deste um outro
e deste outro um quarto cavalinho de
Tróia tu pensaste que da barriguinha
do último já nada podia sair
e que tudo aquilo era como uma parábola
que algum brejeiro estivesse a contar-te
pois foi quando pegaste nessa espécie
de gato de Tróia que do cavalo maior
saiu armada até aos dentes de formidável amor
a guerreira a que já trazia dentro em si
os quatro cavalões do vosso apocalipse."

Alexandre O'Neill

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Hummingbird...

Bill Vidak

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Reinvenção...

"A vida só é possível
reinventada.

Anda o sol pelas campinas
e passeia a mão dourada
pelas águas, pelas folhas...
Ah! tudo bolhas
que vem de fundas piscinas
de ilusionismo... - mais nada.

Mas a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.

Vem a lua, vem, retira
as algemas dos meus braços.
Projeto-me por espaços
cheios da tua Figura.
Tudo mentira! Mentira
da lua, na noite escura.

Não te encontro, não te alcanço...
Só - no tempo equilibrada,
desprendo-me do balanço
que além do tempo me leva.
Só - na treva,
fico: recebida e dada.

Porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada."

Cecília Meireles

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quarta-feira, junho 28, 2006

As pessoas sensatas...

"Platão comparava a vida a um jogo de dados, no qual devêssemos fazer um lance vantajoso e, depois, bom uso dos pontos obtidos, quaisquer que fossem. O primeiro item, o lance vantajoso, não depende do nosso arbítrio; mas receber de maneira apropriada o que a sorte nos conceder, assinalando a cada coisa um lugar tal que o que mais apreciamos nos cause o maior bem e o que mais aborrecemos o menor mal - isso nos incumbe, se formos sensatos. Os homens que defrontam a vida sem habilidade ou inteligência são como enfermos que não podem tolerar nem o calor nem o frio; a prosperidade exalta-os e a adversidade desalenta-os. São perturbados por uma e por outra, ou melhor, por si próprios, numa ou noutra, não menos na prosperidade que na adversidade.

Teodoro, chamado o Ateu, costumava dizer que oferecia os seus discursos com a mão direita, mas os seus ouvintes recebiam-nos com a esquerda; os ignaros frequentemente dão mostras da sua inépcia oferecendo à Fortuna uma recepção canhestra quando ela se apresenta de modo destro. Mas as pessoas sensatas agem como as abelhas, que extraem mel do tomilho, planta muito seca e azeda; similarmente, as pessoas sensatas muitas vezes obtêm para si algo de útil e aprazível das mais adversas situações."

in "Do Contentamento", Plutarco

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...

"O melhor de uma verdade é o que dela nunca se chega a saber"

Virgilio Ferreira

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"Tu já tinhas um nome, e eu não sei se eras fonte ou brisa ou mar ou flor.
Nos meus versos chamar-te-ei amor."

Eugénio de Andrade

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Ella Fitzgerald: a voz...

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Morrer em paz e viver uma vida melhor...

“Quando estão juntos de uma pessoa que esteja a morrer, tenham o cuidado de não a perturbar, causando-lhe mais apego ou suscitando a cólera ou o ódio. Não se lamentem pela sua partida, não se agarrem a ela, não chorem na sua presença. Ajudem-na a partir de forma positiva e lembrem-na da sua prática espiritual.
Se possível, peçam aos outros que façam o mesmo por vocês."

Dalai Lama

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Amor e justiça...

"Porque é que se sobrestima o amor em detrimento da justiça e se diz dele as coisas mais lindas, como se ele fosse uma entidade muito superior àquela? Pois não é ele visivelmente mais estúpido que aquela? Por certo, mas, precisamente por isso, tanto mais agradável para todos. Ele é estúpido e possui uma rica cornucópia; tira desta os seus presentes e distribui-os a qualquer pessoa, mesmo que esta não os mereça e até nem sequer lhe agradeça por isso. É imparcial como a chuva, a qual, segundo a Bíblia e a experiência, não só encharca o injusto até aos ossos, mas também, em determinadas circunstâncias, o justo."

in “Humano, Demasiado Humano”, Friedrich Nietzsche

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terça-feira, junho 27, 2006

...

"O tempo é a única prova segura de tudo. Não só é o crítico mais severo; é o crítico recto e preciso. Ninguém pode julgar do valor disto ou daquilo num momento, porque só o tempo o pode fazer. O tempo dar-lhe-á o valor que merece. "

Alfred Montapert

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Um arrepio corre as minhas pernas...

"Um arrepio corre as minhas pernas
quando nelas se enrosca a tua cobra
mas pouco a pouco as mãos ficam mais ternas
e o que em mim se endireita em ti se dobra.

Por vezes se conjugam cobra e tigre
para que os anjos finalmente acordem
e o reino dos sentidos seja livre
quando as bocas se beijam e os deuses mordem.

Eis que as tuas agulhas me magoam
e as tuas unhas gravam em minhas costas
as aves do desejo que só voam

quando te faço tudo o que tu gostas
ainda que os prazeres por vezes doam
se acaso os dois abrimos outras portas."

Manuel Alegre

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Um dia...

"Um dia, gastos, voltaremos
A viver livres como os animais
E mesmo tão cansados floriremos
Irmãos vivos do mar e dos pinhais.

O vento levará os mil cansaços
Dos gestos agitados irreais
E há-de voltar aos nosso membros lassos
A leve rapidez dos animais.

Só então poderemos caminhar
Através do mistério que se embala
No verde dos pinhais na voz do mar
E em nós germinará a sua fala."

Sophia de Mello Breyner Andresen

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Hoje...

"Hoje é dia de coisas simples
(Ai de mim! Que desgraça!
O creme de terra não voltará a aparecer!)
coisas simples como ir contigo ao restaurante
ler o horóscopo e os pequenos escândalos
folhear revistas pornográficas e
demorarmo-nos dentro da banheira
na ladeia pouco há a fazer
falaremos do tempo com os olhos presos dentro das
chávenas
inventaremos palavras cruzadas na areia... jogos
e murmúrios de dedos por baixo da mesa
beberemos café
sorriremos às pessoas e às coisas
caminharemos lado a lado os ombros tocando-se
(se estivesses aqui!)
em silêncio olharíamos a foz do rio
é o brincar agitado do sol nas mãos das crianças
descalças
hoje."

Al Berto

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Solidão não é a falta de gente para conversar...

"Solidão não é a falta de gente para conversar, namorar, passear ou fazer sexo... Isto é carência! Solidão não é o sentimento que experimentamos pela ausência de entes queridos que não podem mais voltar... Isto é saudade!
Solidão não é o retiro voluntário que a gente se impõe, às vezes para realinhar os pensamentos... Isto é equilíbrio! Solidão não é o claustro involuntário que o destino nos impõe compulsoriamente... Isto é um princípio da natureza!
Solidão não é o vazio de gente ao nosso lado... Isto é circunstância!
Solidão é muito mais do que isto... SOLIDÃO é quando nos perdemos de nós mesmos e procuramos em vão pela nossa alma."

Chico Buarque

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Hoje acordei assim...

Audrey Tautou
Então e agora como é?, posso ou não molengar o resto do dia?...
Vá lá, tou com uma vontade de não fazer nadica...

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segunda-feira, junho 26, 2006

...

"Poesía es la unión de dos palabras que uno nunca supuso que pudieran juntarse, y que forman algo así como un misterio."

Federico García Lorca

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Minha felicidade...



"Revejo os pombos de São Marcos
A praça está silenciosa, a manhã descansa.
No suave frescor, indolente, desfio meus cantos,
como revoada de pombos no azul,
e torno a chamá-los das alturas
Para prender mais uma rima às suas penas
Minha felicidade! Minha felicidade!

Calma abóbada do céu, azul claro e de seda,
Planas protectora sobre edifício multicor
Que eu amo, como? - que temo e invejo
Como seria feliz ao beber-lhe a alma!
Devolvê-la-ia?
Não, sem discussões, maravilha para os olhos!
Minha felicidade! Minha felicidade!

Severa torre, impulso leonino,
elevas-te aqui, vitoriosa, facilmente!
Cobres a praça com o som profundo de teus sinos
Diria em francês que és seu accent aigu!
Se, como tu, eu ficasse aqui
Saberia a seda que me prende,
Minha Felicidade! Minha felicidade!

Afasta-te música! Deixa primeiro que as sombras se adensem
e cresçam até que a noite escureça e se torne tépida
Cedo demais para as harmonias, ornatos de ouro
ainda não cintilam em seu esplendor de rosa;
Muito dia ainda,
Muito dia para os poetas, fantasmas e solitários,
Minha felicidade! Minha felicidade!"

Friedrich Wilhelm Nietzsche

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Reflexo...

autor: desconhecido

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Um dia...

"Um dia descobrimos que beijar
uma pessoa para esquecer outra
é ridículo.
Você não só não esquece
a outra pessoa como pensa muito
mais nela....
Um dia nós percebemos que as
mulheres tem instinto "caçador" e
fazem qualquer homem sofrer...
Um dia descobrimos que
se apaixonar é inevitável...
Um dia percebemos que as
melhores provas de amor
são as mais simples...
Um dia percebemos que
o comum não nos atrai...
Um dia saberemos que ser
classificado como o "bonzinho"
não é bom...
Um dia perceberemos que
a pessoa que nunca te liga
é a que mais pensa em você...
Um dia saberemos
a importância da frase:
"Tu te tornas eternamente responsável
por aquilo que cativas..."
Um dia percebemos que
somos muito importantes para alguém,
mas não damos valor a isso...
Um dia percebemos como
aquele amigo faz falta,
mas aí já é tarde demais...
Enfim... um dia descobrimos
que apesar de viver quase um século
esse tempo todo não é suficiente
para realizarmos todos os nossos sonhos,
para beijarmos todas as bocas
que nos atraem, para dizer tudo
o que tem que ser dito naquele momento.
Não existe hora certa para dizer
o que sentimos se quem estiver
te ouvindo não te compreender,
não te merecer...
O jeito é: ou nos conformamos
com a falta de algumas coisas
na nossa vida
ou lutamos para realizar
todas as nossas loucuras...
Quem não compreende um olhar
tampouco compreenderá uma
longa explicação."

Mário Quintana

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Meto-me para dentro, e fecho a janela...



"Meto-me para dentro, e fecho a janela.
Trazem o candeeiro e dão as boas-noites,
E a minha voz contente dá as boas-noites.
Oxalá a minha vida seja sempre isto:
O dia cheio de sol, ou suave de chuva,
Ou tempestuoso como se acabasse o mundo,
A tarde suave e os ranchos que passam
Fitados com interesse da janela,
O último olhar amigo dado ao sossego das árvores,
E depois, fechada a janela, o candeeiro aceso,
Sem ler nada, nem pensar em nada, nem dormir,
Sentir a vida correr por mim como um rio por seu leito,
E lá fora um grande silêncio como um deus que dorme."

Alberto Caeiro

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Olho-te pelo reflexo do vidro...

"Olho-te pelo reflexo
Do vidro
E o coração da noite

E o meu desejo de ti
São lágrimas por dentro,
Tão doídas e fundas
Que se não fosse:

o tempo de viver;
e a gente em social desencontrado;
e se tivesse a força;
e a janela ao meu lado
fosse alta e oportuna,

invadia de amor o teu reflexo
e em estilhaços de vidro
mergulhava em ti."

Ana Luisa Amaral

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domingo, junho 25, 2006

Arte poética...

"Mirar el río hecho de tiempo y agua
y recordar que el tiempo es otro río,
saber que nos perdemos como el río
y que los rostros pasan como el agua.

Sentir que la vigilia es otro sueño
que sueña no soñar y que la muerte
que teme nuestra carne es esa muerte
de cada noche, que se llama sueño.

Ver en el día o en el año un símbolo
de los días del hombre y de sus años,
convertir el ultraje de los años
en una música, un rumor y un símbolo,

ver en la muerte el sueño,
en el ocaso un triste oro,
tal es la poesía que es inmortal y pobre.
La poesía vuelve como la aurora y el ocaso.

A veces en las tardes una cara
nos mira desde el fondo de un espejo;
el arte debe ser como ese espejo
que nos revela nuestra propia cara.

Cuentan que Ulises, harto de prodigios,
lloró de amor al divisar su Itaca
verde y humilde. El arte es esa Itaca
de verde eternidad, no de prodigios.

También es como el río interminable
que pasa y queda y es cristal de un mismo
Heráclito inconstante, que es el mismo
y es otro, como el río interminable."

Jorge Luis Borges

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The Risign of the Sun...

François Boucher

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The sun...

"Have you ever seen
anything
in your life
more wonderful

than the way the sun,
every evening,
relaxed and easy,
floats toward the horizon

and into the clouds or the hills,
or the rumpled sea,
and is gone--
and how it slides again

out of the blackness,
every morning,
on the other side of the world,
like a red flower

streaming upward on its heavenly oils,
say, on a morning in early summer,
at its perfect imperial distance--
and have you ever felt for anything
such wild love--
do you think there is anywhere, in any language,
a word billowing enough
for the pleasure

that fills you,
as the sun
reaches out,
as it warms you

as you stand there,
empty-handed--
or have you too
turned from this world--

or have you too
gone crazy
for power,
for things?"

Mary Oliver

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Em ti...

"Em ti eu vivo, onde estejas ausente:
Em mim me morro, onde esteja presente.
Mui longe estejas, sempre estarás presente:
Tão perto eu esteja, e ainda estou ausente.
E se ultrajada a natureza sente
O meu viver em ti tão mais, que em mim:
O alto poder, que abrindo sem motim,
Infunde a alma em meu corpo impassível,
Prevendo-a já sem uma essência assim,
A ti a estende, como ao seu mais possível."

Maurice Scève (1501-1564)

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Cats...

Leonardo Da Vinci
Post de dedicado ao Indio, Junior, Charly, Maggy, Dali
e a todos os gatos do Mundo!!
A Bora como é um cadela vai ter de esperar!!

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Plano...

"Trabalho o poema sobre uma hipótese: o amor
que se despeja no copo da vida, até meio, como se
o pudéssemos beber de um trago. No fundo,
como o vinho turvo, deixa um gosto amargo na
boca. Pergunto onde está a transparência do
vidro, a pureza do líquido inicial, a energia
de quem procura esvaziar a garrafa; e a resposta
são estes cacos que nos cortam as mãos, a mesa
da alma suja de restos, palavras espalhadas
num cansaço de sentidos. Volto, então, à primeira
hipótese. O amor. Mas sem o gastar de uma vez,
esperando que o tempo encha o copo até cima,
para que o possa erguer à luz do teu corpo
e veja, através dele, o teu rosto inteiro."

Nuno Júdice

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Força...

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sábado, junho 24, 2006

Voltei a pensar em ti...

"Sentada num banco do jardim olho a árvore.
A mesma que, da janela do meu quarto, atravessa as cores e o vento e o cheiro das estações. Sei que os troncos nus e vazios da noite acordam vestidas de folhas, as folhas enfeitam o jardim de verde-novo, amarelecem e vão-se embora. Não tem importância nenhuma porque é sempre assim, sem novidade. Prefiro a ausência, uma saudade arrefecida, uma saudade que nos faz ter tempo para recuar e olhar para dentro. A saudade não, não sobra tempo para nada, porque todo o tempo do mundo lhe pertence. Por isso gosto da ausência, tem a virtude de seleccionar o melhor, dar lustro às imagens que julgávamos desimportantes, a passar um mata-borrão nas más. Na ausência, resolvemo-nos por dentro e acertamos contas com a memória das coisas boas. Como a luz do teu olhar, sempre que alongávamos a vista pelas ondas altas de espuma a rebentarem do outro lado da estrada e te ouvia a falar do juízo da vida. Ou quando nos sentávamos nos degraus de pedra a escutar o silêncio dos cedros que varriam as nuvens devagarinho para perto do mar. Ou simplesmente nada.
No nada que nos separa agora cabe lá tudo o que quisermos. É melhor que não voltes. Quando voltas, baralho a ausência com a saudade e confundo tudo. Não posso fazer travar a história dividida das nossas vidas, nem amplia-la à minha maneira para que a lembres melhor.
Do que serve colar “cromos” de um metro e oitenta, cultos e tudo, na caderneta?
Ceder à tentação de um “new-look” ultra arrojado?
As massagens de requinte asiático que nos devolvem o corpo de vinte anos?
Viver de sopa e ananás quinze dias seguidos?
Chorar ao colo do psiquiatra ou fugir para as Maldivas?"

in "Coração de Cetim", Maria de Lopo de Carvalho

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O vento na ilha...

"O vento é um cavalo:
ouve como ele corre
pelo mar, pelo céu.

Quer levar-me: escuta
como percorre o mundo
para levar-me para longe.

Esconde-me em teus braços
por esta noite apenas,
enquanto a chuva abre
contra o mar e contra a terra
a sua boca inumerável.

Escuta como o vento
me chama galopando
para levar-me para longe.

Com tua fronte na minha
e na minha a tua boca,
atados os nossos corpos
ao amor que nos abrasa,
deixa que o vento passe
sem que possa levar-me.

Deixa que o vento corra
coroado de espuma,
que me chame e procure
galopando na sombra,
enquanto eu, submerso
sob os teus grandes olhos,
por esta noite apenas
descansarei, meu amor."

in "Os Versos do Capitão", Pablo Neruda

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É tão suave...

"É tão suave a fuga deste dia,
Lídia, que não parece, que vivemos.
Sem dúvida que os deuses
Nos são gratos esta hora,

Em paga nobre desta fé que temos
Na exilada verdade dos seus corpos
Nos dão o alto prêmio
De nos deixarem ser

Convivas lúcidos da sua calma,
Herdeiros um momento do seu jeito
De viver toda a vida
Dentro dum só momento,

Dum só momento, Lídia, em que afastados
Das terrenas angústias recebemos
Olímpicas delícias
Dentro das nossas almas.

E um só momento nos sentimos deuses
Imortais pela calma que vestimos
E a altiva indiferença
Às coisas passageiras

Como quem guarda a c'roa da vitória
Estes fanados louros de um só dia
Guardemos para termos,
No futuro enrugado,

Perene à nossa vista a certa prova
De que um momento os deuses nos amaram
E nos deram uma hora
Não nossa, mas do Olimpo."

Ricardo Reis

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Santorini...

Byron Wade

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Esta é a cidade...

"Esta é a Cidade, e é bela.
Pela ocular da janela
foco o sémen da rua.
Um formigueiro se agita,
se esgueira, freme, crepita,
ziguezagueia e flutua.

Freme como a sede bebe
numa avidez de garganta,
como um cavalo se espanta
ou como um ventre concebe.

Treme e freme, freme e treme,
friorento voo de libélula
sobre o charco imundo e estreme.
Barco de incógnito leme
cada homem, cada célula.
É como um tecido orgânico
que não seca nem coagula,
que a si mesmo se estimula
e vai, num medido pânico.

Aperfeiçoo a focagem.
Olho imagem por imagem
numa comoção crescente.
Enchem-se-me os olhos de água.
Tanto sonho! Tanta mágoa!
Tanta coisa! Tanta gente!
São automóveis, lambretas,
motos, vespas, bicicletas,
carros, carrinhos, carretas,
e gente, sempre mais gente,
gente, gente, gente, gente,
num tumulto permanente
que não cansa nem descansa,
um rio que no mar se lança
em caudalosa corrente.

Tanto sonho! Tanta esperança!
Tanta mágoa! Tanta gente!"

António Gedeão

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Hoje acordei assim...

Kate Moss
Quando dei por mim já tava na rua! Toda desgrenhada, com uns trapitos vestidos e de sandaloca no pé ... e depois melhor ainda: mandaram-me ir buscar manjericos á esquina!!
Que maneira de começar o fim de semana...

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sexta-feira, junho 23, 2006

Não sei como dizer-te que a minha voz te procura...

"Não sei como dizer-te que a minha voz te procura
E a atenção começa a florir, quando sucede a noite
Esplêndida e vasta.
Não sei o que dizer, quando longamente teus pulsos
Se enchem de um brilho precioso
E estremeces como um pensamento chegado. Quando,
Iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado
Pelo pressentir de um tempo distante,
E na terra crescida os homens entoam a vindima
- eu não sei como dizer-te que cem ideias,
dentro de mim, te procuram.

Quando as folhas da melancolia arrefecem com astros
Ao lado do espaço
E o coração é uma semente inventada
Em seu escuro fundo e em seu turbilhão de um dia,
Tu arrebatas os caminhos da minha solidão
Como se toda a casa ardesse pousada na noite.
- E então não sei o que dizer
junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio.
Quando as crianças acordam nas luas espantadas
que às vezes se despenham no meio do tempo
- não sei como dizer-te que a pureza,
dentro de mim, te procura.

Durante a primavera inteira aprendo
Os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstracto
Correr do espaço –
E penso que vou dizer algo cheio de razão,
Mas quando a sombra cai da curva sôfrega
Dos meus lábios, sinto que me faltam
Um girassol, uma pedra, uma ave – qualquer coisa
extraordinária.

Porque não sei como dizer-te sem milagres
Que dentro de mim é o sol, o fruto,
a criança, a água, o deus, o leite, a mãe,
o amor,
que te procuram."

Herberto Hélder

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Inauguramos a palavra amigo!...

"Mal nos conhecemos
Inauguramos a palavra amigo!
Amigo é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece.
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!
Amigo (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
Amigo é o contrário de inimigo!
Amigo é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado.
É a verdade partilhada, praticada.
Amigo é a solidão derrotada!
Amigo é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
Amigo vai ser, é já uma grande festa!"

Alexandre O'Neill

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Mundinho...

Liliana Lourenço
da minha linda e maravilhosa amiga Lili *bmw*

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Romeo and Juliet...

JULIET
Wilt thou be gone? it is not yet near day:
It was the nightingale, and not the lark,
That pierced the fearful hollow of thine ear;
Nightly she sings on yon pomegranate-tree:
Believe me, love, it was the nightingale.

ROMEO
It was the lark, the herald of the morn,
No nightingale. Look, love, what envious streaks
Do lace the severing clouds in yonder east.
Night's candles are burnt out, and jocund day
Stands tiptoe on the misty mountain tops.
I must be gone and live, or stay and die.

JULIET
Yon light is not day-light, I know it, I:
It is some meteor that the sun exhal'd,
To be to thee this night a torch-bearer,
And light thee on thy way to Mantua.
Therefore stay yet; thou need'st not to be gone.

ROMEO
Let me be ta'en, let me be put to death;
I am content, so thou wilt have it so.
I'll say yon grey is not the morning's eye,
'Tis but the pale reflex of Cynthia's brow;
Nor that is not the lark, whose notes do beat
The vaulty heaven so high above our heads.
I have more care to stay than will to go:
Come, death, and welcome! Juliet wills it so.
How is't, my soul? let's talk; it is not day.

JULIET
It is, it is: hie hence, be gone, away!
It is the lark that sings so out of tune,
Straining harsh discords and unpleasing sharps.
Some say the lark makes sweet division;
This doth not so, for she divideth us.
Some say the lark and loathed toad change eyes,
O, now I would they had changed voices too!
Since arm from arm that voice doth us affray,
Hunting thee hence with hunt's-up to the day.
Oh, now be gone; more light and light it grows.
(...)

in "Romeo and Juliet", Act III, Scene V, William Shakespeare

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Odalisque with red culottes...

Henri Matisse

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Receita...

"Se é assim que desejas,
se for assim do teu gosto,
cessarei de cantar!
Se com isso agitar
teu coração,
do meu olhar o triste brilho
desviarei do teu rosto...
E se eu de súbito, te assustar
no teu passeio despreocupado,
afastar-me-ei do teu lado
e tomarei outro brilho...

Se eu te embaraçar - ai de mim -
quando teceres as tuas flores,
flor encantada,
esquivar-me-ei do teu
solitário jardim
e da tua doce imagem...
E se eu tornar a água turva e agitada,
jamais remarei a minha barca
para a tua margem..."

Rabindranath Tagore

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...

"Vivemos todos, neste mundo, a bordo de um navio saído de um porto que desconhecemos para um porto que ignoramos; devemos ter uns para os outros uma amabilidade de viagem"

Fernando Pessoa

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quinta-feira, junho 22, 2006

O sentido da vida está em cada um de nós...

"Este segredo só tem importância para mim, e palavra alguma o poderia explicar. Este novo sentimento não me modificou, não me deslumbrou, nem me tornou feliz, como eu supunha. Sucedeu a mesma coisa com o amor paternal, que não foi acompanhado de surpresa ou de deslumbramento. Devo chamar-lhe fé? Não sei. Sei apenas que me penetrou na alma através do sofrimento e nela se implantou com toda a firmeza. Continuarei, sem dúvida, a impacientar-me com o meu cocheiro Ivan, a discutir inutilmente, a exprimir mal as minhas próprias ideias. Sentirei sempre uma barreira entre o santuário da minha alma e a alma dos outros, mesmo a da minha própria mulher. Sempre tornarei Kitty responsável dos meus terrores, arrependendo-me logo em seguida. Continuarei a rezar sem saber porque rezo. Que importa! A minha vida não estará mais à mercê dos acontecimentos, cada minuto da minha vida terá um sentido incontestável. Agora possuirá o sentido indubitável do bem que eu sou capaz de difundir!"

in "Ana Karenina", Leon Tolstoi

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Sabedoria Antiga...

"E não é fácil alcançar a felicidade, mais ainda porque no caso de nos termos enganado no caminho, nos afastamos tanto mais dela quando para ela nos precipitamos com maior ardor. Quando o caminho conduz em sentido contrário, o nosso próprio impulso aumenta a distância. É preciso, pois, começar por definir bem o que é o objecto do nosso desejo, e examinar depois com cuidado o modo mais rápido de nos dirigirmos para ele; se a via é correcta, dar-nos-emos conta, durante a própria viagem, dos progressos feitos todos os dias, e da nossa aproximação de um fim para o qual nos impele o desejo natural."

in "Da vida Feliz", Séneca

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A arte de viver pela fantasia...

"A fantasia é a mãe da satisfação, do humor, da arte de viver. Apenas floresce alicerçada num íntimo entendimento entre o ser humano e aquilo que objectivamente o rodeia. Esse ambiente envolvente não tem de ser belo, singular ou sequer encantador. Basta que tenhamos tempo para a ele nos habituarmos, e é sobretudo isso que hoje em dia nos falta."

in "Ainda da Felicidade", Hermann Hesse

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The red apple...

Jed Andrews

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Laranjas para deuses...

"Há uns anos dois amigos meus que pareciam ter pouco a ver um com o outro, casaram-se. Quando perguntei à irmã dela a razão de tão repentina e inesperada união, respondeu-me: é simples, ele tem 40 pares de sapatos. Ela também. Não achas que é uma boa razão? Demorei quase dez anos a achar que sim.
A alquimia que mantém um casal unido sempre foi e há de ser um dos mais belos mistérios da natureza. Genética, educação, princípios morais e uma série de factores alietórios como a sorte e a cor dos olhos podem ajudar, mas há sempre qualquer coisa para lá do racional, do dizível, do explicável. Uma espécie de magia que mantém a frescura e a vivacidade; uma forma de arte para transformar a rotina num peso leve. E claro, muita sabedoria para saber como lidar com os piores momentos com a displicência equivalente ao empenho que se põe nos melhores. E além disso, muito amor, porque viver com alguém não é algo que se suporte ou se aguente, não há meio termo; ou é bom, ou é óptimo ou então é um inferno, mesmo que o inferno seja uma paz podre sem ondas, estagnada e a ganhar verdete de cinco em cinco minutos.
A teoria da cara-metade desde sempre perseguiu a humanidade. Os árabes imaginaram Alá a cortar laranjas e espalhá-las pela terra ao acaso, esperando que o destino a pusesse a rolar na direcção uma da outra. Mas esta teoria é redutora, porque uma laranja pode encaixar com várias metades, pelo menos metaforicamente, já que nunca fiz a experiência com os citados citrinos. Na década de 90 que foi prolixa em divagações místicas apareceram livros sobre a alma gémea, uma espécie de guia emocional para os mais carentes, uma mistura de paliativo com ansiolítico de efeito estonteante e entorpecedor para orientar os sós e abandonados. Vivemos numa sociedade onde há remédio e soluções à la carte para tudo, amor incluído.
Ainda voltado ao par de sapatos, o que faz com que um homem e uma mulher fiquem juntos para sempre?
Com ou sem a ajuda de Deus ou de Alá há muitos que ainda o conseguem. E falo dos que estão juntos porque querem, os que estão juntos por circunstâncias extrínsecas à essência da questão não entram neste campeonato. Como o Pedro e a Luísa que são os dois músicos e vivem numa casa onde o piano e o violoncelo dormem na mesma sala mas nunca entram em competição nem dentro nem fora de casa. Como O Miguel e a Lúcia que sempre respeitaram os amigos um do outro. Como o Paulo e a Verónica que aceitaram viver dois anos separados para que ela pudesse dar um salto qualitativo na carreira. Confiança, conforto e cumplicidade parecem ser palavras-chave. Todos falaram em tolerância, paciência, calma e segurança. Quase todos falaram de paixão, todos mencionaram harmonia, estímulo, entendimento e esforço. Alguém acrescentou: não é uma coisa que se procure, simplesmente encontra-se. O trabalho está em não se deixar perder. Laranjas? Isso é para os deuses."

Margarida Rebelo Pinto

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Original é o poeta...

"Original é o poeta
que se origina a si mesmo
que numa sílaba é seta
noutro pasmo ou cataclismo
o que se atira ao poema
como se fosse um abismo
e faz um filho ás palavras
na cama do romantismo.
Original é o poeta
capaz de escrever um sismo.

Original é o poeta
de origem clara e comum
que sendo de toda a parte
não é de lugar algum.
O que gera a própria arte
na força de ser só um
por todos a quem a sorte faz
devorar um jejum.
Original é o poeta
que de todos for só um.

Original é o poeta
expulso do paraíso
por saber compreender
o que é o choro e o riso;
aquele que desce á rua
bebe copos quebra nozes
e ferra em quem tem juízo
versos brancos e ferozes.
Original é o poeta
que é gato de sete vozes.

Original é o poeta
que chegar ao despudor
de escrever todos os dias
como se fizesse amor.
Esse que despe a poesia
como se fosse uma mulher
e nela emprenha a alegria
de ser um homem qualquer."

José Carlos Ary dos Santos

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Foi um momento...



"Foi um momento
O em que pousaste
Sobre o meu braço,
Num movimento
Mais de cansaço
Que pensamento,
A tua mão
E a retiraste.
Senti ou não?

Não sei. Mas lembro
E sinto ainda
Qualquer memória
Fixa e corpórea
Onde pousaste
A mão que teve
Qualquer sentido
Incompreendido,
Mas tão de leve!...

Tudo isto é nada,
Mas numa estrada
Como é a vida
Há uma coisa
Incompreendida...

Sei eu se quando
A tua mão
Senti pousando
Sobre o meu braço,
E um pouco, um pouco,
No coração,
Não houve um ritmo
Novo no espaço?

Como se tu,
Sem o querer,
Em mim tocasses
Para dizer
Qualquer mistério,
Súbito e etéreo,
Que nem soubesses
Que tinha ser.

Assim a brisa
Nos ramos diz
Sem o saber
Uma imprecisa
Coisa feliz."

Fernando Pessoa
foto: Steve Hanks

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quarta-feira, junho 21, 2006

Se da baba o insecto faz a teia...

"Se da baba o insecto faz a teia,
se com choro porém não sei prender-te,
do céu, que era de cinza, direi verde,
e da terra e das lágrimas areia.

E da forma direi que foi ideia,
para que à noite o corpo não desperte.
Do perdido direi que não se perde
se ao menos nestes versos se encadeia.

Do cabelo, se louro, direi preto;
do amor que sofri direi soneto,
ante a luz tão corpórea que o invade…

Nas redes da ficção ficarás presa
e acordarás, mais tarde, na surpresa
de ser outra por toda a eternidade."

David Mourão-Ferreira

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Lua adversa...

"Tenho fases, como a lua
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.

Fases que vão e vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.

E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases como a lua...)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu..."

Cecília Meireles

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A biblioteca...

"Chegada a noite, volto a casa e entro no meu escritório; e, na porta, dispo a roupa quotidiana, cheia de lama e de lodo, e visto trajes reais e solenes; e, vestido assim decentemente, entro nas antigas cortes dos homens antigos, onde, recebido amavelmente por eles, me alimento da comida que é só minha, e para a qual nasci; onde eu não me envergonho de falar com eles e de perguntar-lhes as razões das suas acções. E eles com a sua bondade respondem-me; e, durante quatro horas, não sinto tédio nenhum, esqueço-me de toda a ansiedade, não temo a pobreza, nem a morte me assusta: transfiro para eles todo o meu ser."

in "Carta a Francesco Vettori", Nicolo Maquiavel

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Que é que vês?...



"Que é que vês?
Mares, rios, árvores, montes, vales, campinas, desertos, povoados: e tudo passando.

Os mares em contínuas crescentes e minguantes: os rios sempre correndo; as árvores sempre remudando-se, ora secas, ora floridas, ora murchas: os montes já foram vales, e os vales já foram montes, ou campinas; os desertos já foram povoados, e os povoados agora já foram desertos. Mas olha em especial para os povoados, porque o mundo são os homens.

Tudo está fervendo em movimentos que acabam, e começam; uns a sair dos ventres das mães, outros a entrar no ventre da sepultura; aqueles cantam, dali a pouco choram; estoutros choram, e dali a pouco cantam; aqui se está enfeitando um vivo, parede meia estão amortalhando um defunto; aqui contratam, acolá destratam; aqui conversam, acolá brigam; aqui estão à mesa rindo, e fartando-se, acolá estão no leito gemendo o que riram, e sangrando-se do que comeram."

Manuel Bernardes

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...

"Vivemos todos, neste mundo, a bordo de um navio saído de um porto que desconhecemos para um porto que ignoramos; devemos ter uns para os outros uma amabilidade de viagem"

Fernando Pessoa

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Russian woman in a landscape...

Kandinsky

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Força...

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terça-feira, junho 20, 2006

Eu quero...

Gucci Twirl Watch

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Musa...

"Musa ensina-me o canto
Venerável e antigo
O canto para todos
Por todos entendido

Musa ensina-me o canto
O justo irmão das coisas
Incendiador da noite
E na tarde secreto

Musa ensina-me o canto
Em que eu mesma regresso
Sem demora e sem pressa
Tornada planta ou pedra

Ou tornada parede
Da casa primitiva
Ou tornada o murmúrio
Do mar que a cercava

(Eu me lembro do chão
De madeira lavada
E do seu perfume
Que atravessava)

Musa ensina-me o canto
Onde o mar respira
Coberto de brilhos
Musa ensina-me o canto
Da janela quadrada
E do quarto branco

Que eu possa dizer como
A tarde ali tocava
Na mesa e na porta
No espelho e no corpo
E como os rodeava

Pois o tempo me corta
O tempo me divide
O tempo me atravessa
E me separa viva
Do chão e da parede
Da casa primitiva

Musa ensina-me o canto
Venerável e antigo
para prender o brilho
Dessa manhã polida
Que poisava na duna
Docemente os seus dedos
E caiava as paredes
Da casa limpa e branca

Musa ensina-me o canto
Que me corta a garganta"

Sophia de Mello Breyner Andresen

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Venus at her mirror...

Diego Velázquez

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Eu achei a minha ilha do tesouro...

"...eu achei a minha ilha do tesouro. Achei-a no meu mundo interior, nos meus encontros, no meu trabalho. Passar a minha vida com um mundo imaginário foi a minha ilha do tesouro. Claro, é verdade que os mundos que eu visito ao sabor das minhas buscas podem por vezes ser julgados pueris ou inúteis, tão distantes se acham das preocupações quotidianas, mas quando hoje penso naqueles que me acusavam de ser inútil, e no que eles julgavam ser útil, então perante eles, não tenho apenas o prazer de ser inútil, mas também o desejo de ser inútil."

Hugo Pratt

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In pink...

Tony Hnojcik

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Viver não dói...

"Definitivo, como tudo o que é simples.
A nossa dor não advém das coisas vividas, mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram.
Por que sofremos tanto por amor?
O certo seria a gente não sofrer, apenas agradecer por termos conhecido uma pessoa tão simpatica, que gerou em nós um sentimento intenso e que nos fez companhia por um tempo razoável, um tempo feliz.
Sofremos porquê?
Porque automaticamente esquecemos o que foi desfrutado e passamos a sofrer pelas nossas projecções irrealizadas, por todas as cidades que gostaríamos de ter conhecido ao lado do nosso amor e não conhecemos, por todos os filhos que gostaríamos de ter tido junto e não tivemos, por todos os shows e livros e silêncios que gostaríamos de ter compartilhado, e não partilhamos.
Por todos os beijos cancelados, pela eternidade.
Sofremos não porque nosso trabalho é desgastante e paga pouco, mas por todas as horas livres que deixamos de ter para ir ao cinema, para conversar com um amigo, para nadar, para namorar.
Sofremos não porque nossa mãe é impaciente connosco, mas por todos os momentos em que poderíamos estar confidenciando a ela nossas mais profundas angústias se ela estivesse interessada em nos compreender.
Sofremos não porque a nossa equipa perdeu, mas pela euforia sufocada.
Sofremos não porque envelhecemos, mas porque o futuro está sendo confiscado de nós, impedindo assim que mil aventuras nos aconteçam, todas aquelas com as quais sonhamos e nunca chegamos a experimentar.
Como aliviar a dor do que não foi vivido?
A resposta é simples como um verso: Se iludindo menos e vivendo mais!!!
A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do sofrimento, perdemos também a felicidade.
A dor é inevitável.
O sofrimento é opcional."

Carlos Drummond de Andrade

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Meu coração tardou...

"Meu coração tardou. Meu coração
Talvez se houvesse amor nunca tardasse;
Mas, visto que, se o houve, houve em vão,
Tanto faz que o amor houvesse ou não.
Tardou. Antes, de inútil, acabasse.

Meu coração postiço e contrafeito
Finge-se meu. Se o amor o houvesse tido,
Talvez, num rasgo natural de eleito,
Seu próprio ser do nada houvesse feito,
E a sua própria essência conseguido.

Mas não. Nunca nem eu nem coração
Fomos mais que um vestígio de passagem
Entre um anseio vão e um sonho vão.
Parceiros em prestidigitação,
Caímos ambos pelo alçapão.
Foi esta a nossa vida e a nossa viagem."

Fernando Pessoa

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Acontecimento...

"Tu choravas e eu ia apagando
com os meus beijos os rastos das tuas lágrimas
- riscos na areia mole e quente do teu rosto.
Choravas como quem se procura.
E eu descobria mundos, inventava nomes,
enquanto ia espremendo com as mãos
o meu sangue todo no teu sangue.

Não sei se o mundo existia e nós existíamos realmente.
Sei que tudo estava suspenso,
esperando não sei que grave acontecimento,
e que milhares de insectos paravam e zumbiam nos
meus sentidos.
Só a minha boca era uma abelha inquieta
percorrendo e picando o teu corpo de beijos.

Depois só dei pela manhã,
a manhã atrevida
entrando devagar, muito devagar e acordando-me.
Desviei os meus olhos para ti :
ao longo do teu corpo morriam as estrelas.
A noite partira. E, lentamente,
o sol rompeu no céu da tua boca."

Albano Martins

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O pastor amoroso...

"O pastor amoroso perdeu o cajado,
E as ovelhas tresmalharam-se pela encosta,
E de tanto pensar, nem tocou a flauta que trouxe pira tocar.
Ninguém lhe apareceu ou desapareceu.
Nunca mais encontrou o cajado.
Outros, praguejando contra ele, recolheram-lhe as ovelhas.
Ninguém o tinha amado, afinal.
Quando se ergueu da encosta e da verdade falsa, viu tudo:
Os grandes vales cheios dos mesmos verdes de sempre,
As grandes montanhas longe, mais reais que qualquer sentimento,
A realidade toda, com o céu e o ar e os campos que existem, estão presentes.
(E de novo o ar, que lhe faltara tanto tempo, lhe entrou fresco nos pulmões)
E sentiu que de novo o ar lhe abria, mas com dor, uma liberdade no peito."

Alberto Caeiro

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Hoje sinto-me assim...

Keira Knightley
Foi todo o dia nas piscinas da santa terrinha.
Eramos 10 no máximo em todo o recinto, as ondinhas todas para nós, iuppiiii!!

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segunda-feira, junho 19, 2006

Eu quero...

Satin and velvet tuxedo mule, Chanel

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Inevitavelmente... o amor...

"Inevitavelmente, voltamos sempre ao mesmo, o amor!...
Tudo já foi dito e redito, tudo já teve o seu direito e o seu avesso, no entanto, quando o dizemos de dentro é como se tudo num breve instante se esbatesse e reencontrássemos a voz primordial.
É assim com a pessoa amada, é assim em todas as canções de amor.

Claro que gostamos de finais felizes, claro que fazemos sentir a nossa falta, claro que nos irritamos, claro que projectamos na voz da pessoa amada os nossos mais secretos desejos...
Claro que nos desiludimos para voltarmos ao mesmo: o amor!

Atravessamos um deserto cego e frio e só depois de nos darmos conta; deixamos livros marcados para que o outro dê conta de nós, rasgamos a pele e a roupa para que, num desespero de carência, se ofereça o essencial... e, no entanto, só perante o amor avaliamos a nossa total fragilidade. É o suspenso momento de todas as indefinições, de todos os medos, de todas as dúvidas... mas, simultaneamente, o grande delta de toda a razão de ser, a grande casa inacabada."

João Monge

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...

"Há pessoas que desejam saber só por saber, e isso é curiosidade; outras, para alcançarem fama, e isso é vaidade; outras, para enriquecerem com a sua ciência, e isso é um negócio torpe; outras, para serem edificadas, e isso é prudência; outras, para edificarem os outros, e isso é caridade."

S. Tomás de Aquino

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The dream...

Pablo Picasso

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Anúncio confidencial...

"Arranja-me um fio de prata dois silêncios e um sorriso
e desaperta no peito dois botões p’ro paraíso
e dá-me beijos na testa quando começar o dia
sorri-me longa a manhã no teu corpo devagar
sendo horas de nascer tu sabes o teu lugar

de dia estamos distantes como quem não dá por isso
mas pressentimos no corpo uma espécie de feitiço
responde à posta restante anúncios confidenciais
se não existires eu faço-te
já esculpi outras que tais
que às vezes ao fim da tarde quando me vem cansaço
vou atirar-me pro’ maple e encontro o teu regaço
e tu dizes coisas andas zangada comigo
e eu fico na plateia e nem sei bem o que digo
e irritada tu beijas resvalas mordes ondulas
e eu que andava tão longe quando min’sultas e pulas

eu transformo-me da pedra em ondas gaivotas mar
e eu que não estava ali reparo nas tuas pernas
reparo na tua boca
e passo de novo a estar

reparo na tua boca que eu nunca soube explicar
e sinto incêndios nas veias e sinto incêndios no mar
vêm aí horas ternas são horas de mergulhar
desculpa Mundo - já demos!... São horas de te esquecer
são horas de enlouquecer - desculpa lá vou fechar..."

Pedro Barroso

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Pretextos para fugir do real...



"A uma luz perigosa como água
De sonho e assalto
Subindo ao teu corpo real
Recordo-te
E és a mesma
Ternura quase impossível
De suportar
Por isso fecho os olhos
(O amor faz-me recuperar incessantemente o poder da
provocação. É assim que te faço arder triunfalmente
onde e quando quero. Basta-me fechar os olhos)
Por isso fecho os olhos
E convido a noite para a minha cama
Convido-a a tornar-se tocante
Familiar concreta
Como um corpo decifrado de mulher
E sob a forma desejada
A noite deita-se comigo
E é a tua ausência
Nua nos meus braços."

Alexandre O´Neill

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Os teus pés...

"Quando não posso contemplar teu rosto,
contemplo os teus pés.
Teus pés de osso arqueado,
teus pequenos pés duros.
Eu sei que te sustentam
e que teu doce peso
sobre eles se ergue.
Tua cintura e teus seios,
a duplicada púrpura
dos teus mamilos,
a caixa dos teus olhos
que há pouco levantaram voo,
a larga boca de fruta,
tua rubra cabeleira,
pequena torre minha.
Mas se amo os teus pés
é só porque andaram
sobre a terra e sobre
o vento e sobre a água,
até me encontrarem."

Pablo Neruda

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Joelho...

"Ponho um beijo
Demorado no topo do teu joelho

Desço-te a perna
Arrastando a saliva pelo meio

Onde a língua
segue o trilho até onde vai o beijo

Não há nada
que disfarce de ti aquilo que vejo

Em torno um mar
tão revolto no cume o cimo do tempo

E os lençóis desalinhados
como se fosse de vento

Volto então ao teu
Joelho entreabrindo-te as pernas

Deixando a boca
Faminta seguir o desejo nelas."

Maria Teresa Horta

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Hoje acordei assim...

Cameron Diaz
"I am beautiful, no matter what they say
Words can't bring me down
I am beautiful in every single way
Yes, words can't bring me down, oh no
So don't you bring me down today!"
Christina Aguilera - Beautiful

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domingo, junho 18, 2006

Divina musica!...

"Filha da Alma e do Amor.
Cálice da amargura
e do Amor.
Sonho do coração humano,
fruto da tristeza.
Flor da alegria, fragrância
e desabrochar dos sentimentos.
Linguagem dos amantes,
confidenciadora de segredos.
Mãe das lágrimas do amor oculto.
Inspiradora de poetas, de compositores
e dos grandes realizadores.
Unidade de pensamento dentro dos fragmentos
das palavras.
Criadora do amor que se origina da beleza.
Vinho do coração
que exulta num mundo de sonhos.
Encorajadora dos guerreiros,
fortalecedora das almas.
Oceano de perdão e mar de ternura.
Ó música.
Em tuas profundezas
depositamos nossos corações e almas.
Tu nos ensinaste a ver com os ouvidos
e a ouvir com os corações."

Kahlil Gibran

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Nuvens correndo num rio...




"Nuvens correndo num rio
Quem sabe onde vão parar?
Fantasma do meu navio
Não corras, vai devagar!

Vais por caminhos de bruma
Que são caminhos de olvido.
Não queiras, ó meu navio,
Ser um navio perdido.

Sonhos içados ao vento
Querem estrelas varejar!
Velas do meu pensamento
Aonde me quereis levar?

Não corras, ó meu navio
Navega mais devagar,
Que nuvens correndo em rio,
Quem sabe onde vão parar?

Que este destino em que venho
É uma troça tão triste;
Um navio que não tenho
Num rio que não existe."

Natália Correia
foto: Gary McGhee

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Parasols...

Paul Louis Villani

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A luta do antigo e do novo...

"É sempre igual a luta do que é antigo, do que já existe e procura subsistir, contra o desenvolvimento, a formação e a transformação. Toda a ordem acaba por dar origem à pedanteria e para nos libertarmos dela destrói-se a ordem. Depois, demora sempre algum tempo até que se ganhe consciência de que é preciso voltar a estabelecer uma ordem. O clássico face ao romântico, a obrigação corporativa face à liberdade profissional, o lactifúndio face à pulverização da propriedade fundiária: o conflito é sempre o mesmo e há-de sempre dar origem a um novo conflito. Deste modo, a maior prova de entendimento por parte do governante seria regular essa luta de tal maneira que, sem prejuízo de cada uma das partes, conseguisse manter-se equidistante.
É, no entanto, uma possibilidade que não foi dada aos homens, e Deus não parecer querer que assim aconteça."

in "Máximas e Reflexões", Johann Wolfgang von Goethe

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If...

"If you can keep your head when all about you
Are losing theirs and blaming it on you;
If you can trust yourself when all men doubt you,
But make allowance for their doubting too:
If you can wait and not be tired by waiting,
Or, being lied about, don't deal in lies,
Or being hated don't give way to hating,
And yet don't look too good, nor talk too wise;

If you can dream - and not make dreams your master;
If you can think - and not make thoughts your aim,
If you can meet with Triumph and Disaster
And treat those two impostors just the same:.
If you can bear to hear the truth you've spoken
Twisted by knaves to make a trap for fools,
Or watch the things you gave your life to, broken,
And stoop and build'em up with worn-out tools;

If you can make one heap of all your winnings
And risk it on one turn of pitch-and-toss,
And lose, and start again at your beginnings,
And never breathe a word about your loss:
If you can force your heart and nerve and sinew
To serve your turn long after they are gone,
And so hold on when there is nothing in you
Except the Will which says to them: "Hold on!"

If you can talk with crowds and keep your virtue,
Or walk with Kings - nor lose the common touch,
If neither foes nor loving friends can hurt you,
If all men count with you, but none too much:
If you can fill the unforgiving minute
With sixty seconds' worth of distance run,
Yours is the Earth and everything that's in it,
And - which is more - you'll be a Man, my son!"

Rudyard Kipling

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Desejo...

"Quero acabar entre rosas, porque as amei na infância.
Os crisântemos de depois, desfolhei-os a frio.
Falem pouco, devagar.
Que eu não oiça, sobretudo com o pensamento.
O que quis? Tenho as mãos vazias,
Crispadas flebilmente sobre a colcha longínqua.
O que pensei? Tenho a boca seca, abstracta.
O que vivi? Era tão bom dormir!"

Álvaro de Campos

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Aquele que passa...

"O desconhecido que passa e te acha ainda digna de uma fugidia palavra de desejo,
Talvez porque na sombra da noite tão doce de Maio
Ainda resplendem teus olhos, ainda tem vinte anos a ligeira figura deslizante,
Não sabe que foste amada, por aquele que amaste amada, em plena e soberba delícia de amor,
E em ti não há membro nem ponta de carne ou átomo de alma que não tenha uma marca de amor.
Que tu viveste apenas para amar aquele que te amava,
E nem que quisesses podias arrancar de ti essa veste que o amor teceu.
Ele, ignaro, em ti já não bela, em ti já não jovem, saúda a graça do deus:
Respira, passando, em ti já não bela, em ti já não jovem, o aroma precioso do deus:
Só porque o levas contigo, doce relíquia à sombra de um sacrário."

Ada Negri (1870-1945)

sábado, junho 17, 2006

Uma vez irei...

"Uma vez irei. Uma vez irei sozinha, sem minha alma desta vez. O espírito, eu o terei entregue à família e aos amigos, com recomendações. Não será difícil cuidar dele, exige pouco, às vezes se alimenta com jornais mesmo. Não será difícil levá-lo ao cinema, quando se vai. Minha alma eu a deixarei, qualquer animal a abrigará: serão férias em outra paisagem, olhando através de qualquer janela dita da alma, qualquer janela de olhos de gato ou de cão.
De tigre, eu preferiria..."

Clarice Lispector

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A minha vida é como se me batessem com ela...

“Tudo me cansa, mesmo o que não me cansa. A minha alegria é tão dolorosa como a minha dor.

Quem me dera ser uma criança pondo barcos de papel num tanque de quinta, com um dossel rústico de entrelaçamentos de parreira pondo xadrezes de luz e sombra verde nos reflexos sombrios da pouca água.
Entre mim e a vida há um vidro ténue. Por mais nitidamente que eu veja e compreenda a vida, eu não posso lhe tocar.
Raciocinar a minha tristeza? Para quê, se o raciocínio é um esforço? e quem é triste não pode esforçar-se. Nem mesmo abdico daqueles gestos banais da vida de que eu tanto quereria abdicar. Abdicar é um esforço, e eu não possuo o de alma com que esforçar-me.
Quantas vezes me punge o não ser o manobrante daquele carro, o cocheiro daquele trem! qualquer banal Outro suposto cuja vida, por não ser minha, deliciosamente se me penetra de eu querê-la e se me penetra até de alheia!

Eu não teria o horror à vida como a uma Coisa. A noção da vida como um Todo não me esmagaria os ombros do pensamento. Os meus sonhos são um refúgio estúpido, como um guarda chuva contra um raio. Sou tão inerte, tão pobrezinho, tão falho de gestos e actos.

Por mais que por mim me embrenhe, todos os atalhos do meu sonho vão dar a clareiras de angústia. Mesmo eu , o que sonha tanto, tenho intervalos em que o sonho me foge. Então as coisas aparecem-me nítidas. Esvai-se a névoa de quem me cerco. E todas as arestas visíveis ferem a carne da minha alma. Todas as durezas olhadas me magoam o conhêce-las durezas. Todos os pesos visíveis de objectos me pesam por a alma dentro.
A minha vida é como se me batessem com ela."

in "Livro do Desassossego", Bernardo Soares

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As pessoas são como os envelopes...

"As pessoas e os encontros, por vezes, são como os envelopes bem endereçados que recebemos. Sabe-se o nome e a morada, mas não se sabe o que vem lá dentro. Será uma conta a pagar, um convite, um folheto de publicidade? Será uma cunha, umas boas festas? É que o envelope rasga-se e depois vê-se o que vem lá dentro. As intenções do coração vêm sempre ao de cima, não há máscara que lhes resista..."

Padre Vasco Pinto de Magalhães

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Força...

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sexta-feira, junho 16, 2006

Variação sobre rosas...



"Como as rosas selvagens, que nascem
em qualquer canto, o amor também pode nascer
de onde menos esperamos. O seu campo
é infinito: alma e corpo. E para além deles,
o mundo das sensações, onde se entra sem
bater à porta, como se esta porta estivesse sempre
aberta para quem quiser entrar.

Tu, que me ensinas o que é o
amor, colheste essas rosas selvagens: a sua
púrpura brilha no teu rosto. O seu perfume
corre-te pelo peito, derrama-se no estuário
do ventre, sobe até aos cabelos que se soltam
por entre a brisa dos murmúrios. Roubo aos teus
lábios as suas pétalas.

E se essas rosas não murcham, com
o tempo, é porque o amor as alimenta."

Nuno Júdice
imagem: John William Waterhouse

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A Luta pela recordação...



"Os meus pensamentos foram-se afastando de mim, mas, chegado a um caminho acolhedor, repito os tumultuosos pesares e detenho-me, de olhos fechados, enervado num aroma de afastamento que eu próprio fui conservando, na minha pequena luta contra a vida.
Só vivi ontem. Ele tem agora essa nudez à espera do que deseja, selo provisório que nos vai envelhecendo sem amor.
Ontem é uma árvore de longas ramagens, e estou estendido à sua sombra, recordando.
De súbito, contemplo, surpreendido, longas caravanas de caminhantes que, chegados como eu a este caminho, com os olhos adormecidos na recordação, entoam canções e recordam. E algo me diz que mudaram para se deter, que falaram para se calar, que abriram os olhos atónitos ante a festa das estrelas para os fechar e recordar...
Estendido neste novo caminho, com os olhos ávidos florescidos de afastamento, procuro em vão interceptar o rio do tempo que tremula sobre as minhas atitudes. Mas a água que consigo recolher fica aprisionada nos tanques ocultos do meu coração em que amanhã terão de se submergir as minhas velhas mãos solitárias..."

in "Nasci para Nascer", Pablo Neruda
foto: Ognjan Schalamanov

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Hora...

"Sinto que hoje novamente embarco
Para as grandes aventuras,
Passam no ar palavras obscuras
E o meu desejo canta - por isso marco
Nos meus sentidos a imagem desta hora.

Sonoro e profundo
Aquele mundo
Que eu sonhara e perdera
Espera
O peso dos meus gestos.

E dormem mil gestos nos meus dedos.

Desligadas dos círculos funestos
Das mentiras alheias,
Finalmente solitárias,
As minhas mãos estão cheias
De expectativa e de segredos
Como os negros arvoredos
Que baloiçam na noite murmurando.

Ao longe por mim oiço chamando
A voz das coisas que eu sei amar.

E de novo caminho para o mar."

Sophia de Mello Breyner Andresen

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Desperate for a drink...

Michael Lyons

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Nostálgica prata a lua...

"Nostálgica prata a lua, minério verbal da saudade, hoje que eu queria falar de amor e constato as brandas navalhas que saem dele como se fossem sinais puídos em sua defesa, já não há gente para percorrer estes mapas, este destino para onde emigram os poetas, os encantados e os loucos a quem se pede que olhem fixamente, as naus felizes e penetrantes pelo tempo, mais jovens agora e mais vulneráveis ainda, nem nenhuma bebedeira que engane um marinheiro cantando o nome de quem ama, já nada há que valha para falar de pé no amor, as casas já não escondem a mão de um amante sondando alguma servil paixão, frágil e delicada, maculada em sacerdócio no nu dos beijos, porque estou eu insistindo em falar de amor onde ele nem respira e nem por si se imolam os cordeiros, nem arde sem febre e sem fúria, nem medo tem de tremer face ao adeus, amor que já foi uma longa vertigem, uma tontura aprazível, falar dele para quê se não o devolvem e o cultivam, se nem o sangue corre em prova da sua beleza, exijo que o pronunciem e riem-se de mim como se fosse patético o peso que lhe dou em minha vida, falar de amor com quem, quem que possa sentir a força misteriosa da sua música, caber nela visitado e invisível, mancha indelével na superfície da carne, um nome tardio, um poema sentenciado a morrer comigo, falar de amor como se me ordenasse a viver dentro de um abrigo, eu tento, mas as palavras que o vestem têm medo e preferem o silêncio a não serem entendidas."

Eduardo White

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Saber...

"A única diferença entre um capricho e uma paixão eterna é que o capricho dura um pouco mais".

Oscar Wilde

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...

"Compreender não é procurar no que nos é estranho a nossa projecção ou a projecção do nossos desejos. É explicar o que se nos opõe, valorizar o que até aí não tinha valor dentro de nós.
O diverso, o inesperado, o antagónico, é que são a pedra de toque dum acto de entendimento. Ora o Alentejo é esse diverso, esse inesperado, esse antagónico."

Miguel Torga

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Sabedoria Antiga...

“Just as eating contrary to the inclination is injurious to the health, so study without desire sports the memory, and it retains nothing that it takes in.”

Leonardo Da Vinci

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...

"Um provérbio chinês diz que, quando não se tem mais nada para dizer, cita-se geralmente um provérbio chinês…"

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quinta-feira, junho 15, 2006

Hoje sinto-me assim...

Katie Holmes
Depois do dia de ontem, preciso mesmo é de descansar, vou para o sofá enrolar-me na mantinha...

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Como se houvesse uma tempestade...

"Como se houvesse uma tempestade
escurecendo os teus cabelos,
ou se preferes, a minha boca nos teus olhos,
carregada de flor e dos teus dedos;

Como se houvesse uma criança cega
aos tropeções dentro de ti,
eu falei em neve, e tu calavas
a voz onde contigo me perdi.

Como se a noite viesse e te levasse,
eu era só fome o que sentia;
digo-te adeus, como se não voltasse
ao país onde o teu corpo principia.

Como se houvesse nuvens sobre nuvens,
e sobre as nuvens mar perfeito,
ou se preferes, a tua boca clara
singrando largamente no meu peito."

Eugénio de Andrade

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Mysterious...

Zack Schnepf

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Sou eu...

"Sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo,
Espécie de acessório ou sobressalente próprio,
Arredores irregulares da minha emoção sincera,
Sou eu aqui em mim, sou eu.
Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou.
Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma.
Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim.

E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco inconsequente,
Como de um sonho formado sobre realidades mistas,
De me ter deixado, a mim, num banco de carro eléctrico,
Para ser encontrado pelo acaso de quem se lhe ir sentar em cima.

E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco longínqua,
Como de um sonho que se quer lembrar na penumbra a que se acorda,
De haver melhor em mim do que eu.

Sim, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco dolorosa,
Como de um acordar sem sonhos para um dia de muitos credores,
De haver falhado tudo como tropeçar no capacho,
De haver embrulhado tudo como a mala sem as escovas,
De haver substituído qualquer coisa a mim algures na vida.

Baste! É a impressão um tanto ou quanto metafísica,
Como o sol pela última vez sobre a janela da casa a abandonar,
De que mais vale ser criança que querer compreender o mundo —
A impressão de pão com manteiga e brinquedos
De um grande sossego sem Jardins de Prosérpina,
De uma boa-vontade para com a vida encostada de testa à janela,
Num ver chover com som lá fora
E não as lágrimas mortas de custar a engolir.

Baste, sim baste! Sou eu mesmo, o trocado,
O emissário sem carta nem credenciais,
O palhaço sem riso, o bobo com o grande fato de outro,
A quem tinem as campainhas da cabeça
Como chocalhos pequenos de uma servidão em cima.

Sou eu mesmo, a charada sincopada
Que ninguém da roda decifra nos serões de província.

Sou eu mesmo, que remédio!..."

Álvaro de Campos

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...

"A fortuna é coisa boa quando nas mãos de um homem que queira fazer grandes coisas e cujo espírito e virtudes sejam tais que saiba reconhecer as ocasiões que se lhe oferecem."

Maquiavel

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Ser distinto...

"A elegância distinta (...) é difícil de imitar, porque, no fundo, ela é negativa e pressupõe uma prática longa e constante. Pois a pessoa não deve, por exemplo, representar na sua atitude qualquer coisa que indique dignidade, já que dessa maneira se cai facilmente num carácter formal e orgulhoso; antes se deve, simplesmente, evitar o que é indigno, o que é vulgar; a pessoa nunca se deve esquecer, deve prestar sempre atenção a si e aos outros, não perdoar nada a si própria, não fazer aos outros nem de mais, nem de menos, não parecer comovida com nada, não se impressionar com nada, nunca se apressar demasiado, saber dominar-se em qualquer momento e, assim, manter um equilíbrio exterior, por muito forte que seja interiormente o temporal.

O homem nobre pode, em certos momentos, desleixar-se; o homem distinto nunca. Este é como um homem muito bem vestido: não se encontrará em lado nenhum e toda a gente evitará roçar nele. Ele distingue-se dos outros e, todavia, não deve ficar sozinho; pois, tal como em todas as artes e, portanto, também nesta, o mais difícil deve, finalmente, ser executado com facilidade: por isso, a pessoa distinta, apesar de todo o isolamento, deve parecer sempre ligada a outrem; em parte alguma, deve mostrar-se rígida; em todo o lado deve ser polida e aparecer sempre como a primeira, sem nunca se impor como tal.
Vê-se, por conseguinte, que, para parecer distinto, se tem de ser realmente distinto."

in “Os Anos de Aprendizagem de Wilhelm Meister”, Johann W. Von Goethe

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Desejo insaciável...

"Tudo quanto possuis te parece pequeno; tudo quanto possuo me parece grande.
O teu desejo é insaciável, o meu não. Olha a criança enfiando a mão num jarro de gargalo estreito tentando retirar as nozes e os figos ali contidos: se enche a mão, não a pode tirar, e põe-se então a chorar.
- Deixa algumas nozes e poderás tirar as restantes!
Tu também: deixa o teu desejo ir-se embora, não ambiciones muitas coisas, que algo obterás."

in "O Festival Da Vida", Epicteto

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Golconde...

Renne Magritte

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Raindrops keep falling on my head...

"Raindrops keep falling on my head,
but that doesn't mean my eyes will soon be
turning red —
crying's not for me, 'cause
I'm never gonna stop the rain by complaining
so, I just did me some talking to the sun
and I said I didn't like the way he got things done —
sleeping on the job, those
raindrops are falling on my head,
they keep falling

but there's one thing
I know:
the blues they send to meet me
won't defeat me —
it won't be long 'til happiness steps
up to greet me

raindrops keep falling on my head
and just like the guy whose feet are too big
for his bed,
nothing seems to fit, those
raindrops are falling on my head,
they keep falling
yeah, but I'm free
and nothing's worrying me

it won't be long 'til happiness steps
up to greet me

raindrops keep falling on my head,
that doesn't mean my eyes will soon be
turning red —
crying's not for me, no
I'm never gonna stop the rain by complaining,
because I'm free,
nothing's worrying me."

Burt Bacharach

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quarta-feira, junho 14, 2006

O Jardim do amor...

"Entrei no jardim do amor
E nem sequer queria acreditar;
Uma capela fora construida no meio
Da relva onde costumava brincar.

E a porta dessa capela estava fechada,
E «Não ousarás» escrito à entrada;
Regressei então ao jardim do amor,
Que antes estava todo em flor.

E vi que estava juncado de campas sombrias,
E no lugar de cada flor uma pedra tumular;
E padres de negro passavam e voltavam a passar,
Prendendo com silvas os meus desejos e alegrias."

William Blake

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Palavras em serrúbia...



“Eis o que tenho a pedir-vos nos meus oitenta anos: plantem nesse lugar um plátano, onde o vento enroladinho no sono possa dormir sem sobressaltos; ou uma oliveira, ou um chorão, e à sua roda ponham uma sebe da flor doce e musical de espinheiro branco. Embora tenha pouca ou nenhuma fé seja no que for, a terra ficará mais habitável. Um poema ou uma árvore podem ainda salvar o mundo.”

in "Palavras em Serrúbia", Eugénio de Andrade
foto: Mariana Nikolova

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Poema do mar...



"O poema é uma onda, o último rio selvagem
à procura da águia–real e do lobo, na húbis,
do poder pânico da natureza,
as suas águas correm rebeldes entre os bosques
no mais profundo caos filtrado de vapores do rio Sabor
desde a serra da Parada aos sobreiros, aos azinhais
entre maciços de granito até ao gesto da vaga
que se espraia numa elisão dos teus lábios escaldantes.

A Serra de Montesinhos, Vila Flor, a terra de Moncorvo,
os zimbrais de um Deus para os habitantes de Felgar com um buxo
a onda avança , recurva e sobe até à cristada Ponte da Portela.
Há traços de Paisagem nuvens que passam no Pathos,
Cegonhas, águias de Bonelli, numa atmosfera sensual
para o abutre do Egipto como nos rituais do Samurai
em galope veloz dos arqueiros nos seus sonhos sensoriais
como a toupeira da água tem uma seta para rezar à paz
dos Deuses pela chuva e pela boa colheita
pelo gato-bravo e pelo corço no alastre final,
do ritmo do mar.
Sempre a pulsação das ondas e das marés:
Aí procuro a harmonia e a melodia
como nas gravuras rupestres (...)
na passagem da poesia à música, à dança total,
o movimento rítmico natural."

in "As Praias do Sado", José Gil
foto: Tiago Estima

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A terceira rosa...

"Cheira intensamente a maçãs na antiga sala de bilhar.
Estão espalhadas por todo o lado: no chão, no pano verde, dentro de cestos e canastras. Ia dizer: dentro de ti. Porque é também o teu cheiro: não só a madressilva e às ervas das areias, mas a maçã camoesa, reineta, bravo de esmolfe. Aqui brincámos, quando pequenos, aos cavalinhos e às casinhas. Mais tarde a outros jogos. Alguns, por certo, chamar-lhes-iam eróticos.
Eu digo castos. Jogos castos, ainda que perigosos.
Despe-te, pedes, um certo fim de tarde, era Julho, tenho a certeza que era Julho pela tonalidade de luz e sombra que a essa hora se coalhava num dos cantos da sala de bilhar. Nao há pudor entre nós.
Obedeço. Ficas a olhar para mim.
- Está empinado, dizes, agarrando-me o sexo com a mão direita. Que nome lhe vou chamar? É grosso e duro, palpita como um pássaro ou como um coração. É assim mesmo que lhe vou chamar: meu coração.
- Quero ir contigo
- Diz outra vez
- Quero ir contigo
- Não, a palavra, diz só a palavra que não se diz, diz a palavra de que eu gosto
Mas eu não digo.
- É uma palavra branca e vermelha, quando tu a dizes eu vejo um véu de noiva e vejo sangue.
- Quero ir contigo, insisto.
Mas tu já estás a divagar. Começas a dançar, fazendo gestos largos, como se agitasses invisíveis véus. Assim te despes, devagar, dançando sempre. É a primelra vez que te vejo nua, completamente nua, posso mesmo dizer que estás nua por fora e por dentro, não é só o teu corpo que me mostras, é algo mais, alguns diriam alma, eu não sei como dizer, sei que está dentro e és tu, a tua nudez é uma nudez espiritual.
- Dá-me um beijo na boca, dizes.
Eu beijo-te. Sabes a maçã, a Julho, talvez a Deus. Por mais estranho que pareça, apetece-me rezar.
- Agora beija-me aqui - e apontas o teu sexo.
Eu assim faço.
Sem pudor, sem pecado, sem remorso.
Estamos nus na sala de bilhar, é Julho, posso jurar que é Julho, dizemos palavras proibidas que pelo modo como as dizemos são santas e sagradas, os nossos gestos são castos, talvez perigosos, mas castos, ou, pelo menos, inocentes. Estamos nus, é Julho. E o espírito de Deus, se Deus existe, paira de certeza sobre nós."

in "A Terceira Rosa", Manuel Alegre

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Procuro-te...

"Procuro a ternura súbita,
os olhos ou o sol por nascer
do tamanho do mundo,
o sangue que nenhuma espada viu,
o ar onde a respiração é doce,
um pássaro no bosque
com a forma de um grito de alegria.

Oh, a carícia da terra,
a juventude suspensa,
a fugidia voz da água entre o azul
do prado e de um corpo estendido.

Procuro-te: fruto ou nuvem ou música.
Chamo por ti, e o teu nome ilumina
as coisas mais simples;
o pão e a água,
a cama e a mesa,
os pequenos e dóceis animais,
onde também quero que chegue
o meu canto e a manhã de maio.

Um pássaro e um navio são a mesma coisa
quando te procuro de rosto cravado na luz.
Eu sei que há diferenças,
mas não quando se ama,
não quando apertamos contra o peito
uma flor ávida de orvalho.

Ter só dedos e dentes é muito triste:
dedos para amortalhar crianças,
dentes para roer a solidão,
enquanto o verão pinta de azul o céu
e o mar é devassado pelas estrelas.

Porém eu procuro-te.
Antes que a morte se aproxime, procuro-te.
Nas ruas, nos barcos, na cama,
com amor, com ódio, ao sol, à chuva,
de noite, de dia, triste, alegre - procuro-te."

Eugénio de Andrade

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Apaga as estrelas, vem dormir comigo...

"No centro da cidade, um grito. Nele morrerei, escrevendo o que a vida me deixar e sei que cada palavra escrita é um dardo envenenado. Tem a dimensão de um túmulo e todos os teus gestos são uma sinalização em direcção à morte.
Mas hoje, ainda longe daquele grito, sento-me na fímbria do mar. Medito no meu regresso.
Possuo para sempre tudo o que perdi, e uma abelha pousa-me no azul do lírio e no cardo que sobreviveu à geada. Bebo, fumo, mantenho-me atento, absorto - aqui sentado, junto à janela fechada. oiço-te ciciar: amo-te, pela primeira vez, e na ténua luminosidade que se recolhe ao horizonte, acaba o corpo. Recolho o mel, guardo a alegria, e digo-te baixinho:
Apaga as estrelas, vem dormir comigo no esplendor da noite do mundo que nos foge."

in "Lunário", Al Berto

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Um dia pensarei que passei por ti como passam os pássaros...

"Um dia pensarei que passei por ti como passam os pássaros por este campo que há-de tornar-se seco, no Inverno; e que a primavera que vivemos não há-de voltar, ao contrário dessa que todos os anos sucede ao Inverno, trazendo consigo esses pássaros de que me lembro ao pensar que estou sem ti, agora que todas as viagens chegaram ao fim, e uma pausa se prolonga até se tornar definitiva. Mas não é por pensar isso que me sinto longe de ti: o que talvez me faça sofrer, como se o sofrimento não fosse uma parte do amor, e se substitua a ele, quando o tempo impõe as suas regras, e nos lembra que dependemos de pequenas coisas para que tudo mude, de um dia para o outro, tornando-nos outros do que fomos, embora continuemos a sentir o que sempre sentimos.

Então, dirás, alguma coisa valeu a pena? E eu respondo que a migração dos pássaros é um sintoma de que os hábitos não mudam quando queremos; e a vontade dos que querem ficar leva-os à morte, como se entre morrer e amar houvesse um elo que não sabemos de onde vem, mas se manifesta na melancolia de um bater de asas, sob os ramos da árvore, quando o céu de chuva impede o voo para cima dos seus ramos. Mesmo que peguemos nessa ave, de pouco servirá: o seu destino foi escolhido por ela, e quando isso acontece nada podemos fazer.

Debate-se, procurando escapar aos dedos que a prendem; e esse gesto leva-a para onde não lhe chegamos, a não ser com o olhar, sabendo que no dia seguinte o ramo irá ficar vazio. Assim, voltei ao café onde tantas vezes te esperei: e não havia ninguém na mesa, como se a maldição tivesse tomado conta do lugar. «É do Inverno», disse o patrão, «ninguém sai de casa com este tempo.» Não lhe dei outras razões. O que eu sei, levaste-o contigo, neste Inverno em que nem os pássaros querem ficar."

Nuno Júdice

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Poema curto...

"Nesta luz quase louca
que se prende aos telhados
às árvores aos cabelos das mulheres
aos olhos mais sombrios
falamos de ti do teu alto exemplo
e é com intimidade que o fazemos
falamos de ti como se fosses
a árvore mais luminosa
ou a mulher mais bela mais humana
que passasse por nós com os olhos da vertigem
arrastando toda a luz consigo."

Alexandre O´Neill

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terça-feira, junho 13, 2006

Hoje sinto-me assim...

Monica Bellucci

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Tão abstracta é a ideia do teu ser...


"Tão abstracta é a ideia do teu ser
Que me vem de te olhar, que, ao entreter
Os meus olhos nos teus, perco-os de vista,
E nada fica em meu olhar, e dista
Teu corpo do meu ver tão longemente,
E a ideia do teu ser fica tão rente
Ao meu pensar olhar-te, e ao saber-me
Sabendo que tu és, que, só por ter-me
Consciente de ti, nem a mim sinto.
E assim, neste ignorar-me a ver-te, minto
A ilusão da sensação, e sonho,
Não te vendo, nem vendo, nem sabendo
Que te vejo, ou sequer que sou, risonho
Do interior crepúsculo tristonho
Em que sinto que sonho o que me sinto sendo."

Fernando Pessoa
foto: Kevin Temple

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Flores...

"De um pequeno degrau dourado -, entre os cordões
de seda, os cinzentos véus de gaze, os veludos verdes
e os discos de cristal que enegrecem como bronze
ao sol -, vejo a digital abrir-se sobre um tapete de filigranas
de prata, de olhos e de cabeleiras.

Peças de ouro amarelo espalhadas sobre a ágata, pilastras
de mogno sustentando uma cúpula de esmeraldas,
buquês de cetim branco e de finas varas de rubis
rodeiam a rosa d'água.

Como um deus de enormes olhos azuis e de formas
de neve, o mar e o céu atraem aos terraços de mármore
a multidão das rosas fortes e jovens."

Rimbaud

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Através da chuva e da névoa...



"Chovia e vi-te entrar no mar
longe de aqui há muito tempo já
ó meu amor o teu olhar
o meu olhar o teu amor
Mais tarde olhei-te e nem te conhecia
Agora aqui relembro e pergunto:
Qual a realidade de tudo isto?
Afinal onde é que as coisas continuam
e como continuam se é que continuam?
Apenas deixarei atrás de mim tubos de comprimidos
a casa povoada o nome no registo
uma menção no livro das primeiras letras?
Chovia e vi-te entrar no mar
ò meu amor o teu olhar
o meu olhar e o teu amor
Que importa que algures continues?
Tudo morreu: tu eu esse tempo esse lugar
Que posso eu fazer por tudo isso agora
talvez apenas dizer
chovia e vi-te entrar no mar
E aceitar a irremediável morte para tudo e todos."

Ruy Belo
foto: Glenn Traver

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