segunda-feira, julho 31, 2006

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"Na solidão da mesma noite e do mesmo monte onde vasos de luz ainda há pouco se entornavam. Com a palma da mão cobrindo os olhos, na retina o fluxo de antigos silêncios, a ciência do poente perdida na terra firme do quarto onde há-de caber sempre o rosto de uma figura romântica cismando sobre um mar de nuvens."

Rui Lage

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A menina do mar...

"A praia estava coberta de espumas deixadas pelas ondas da tempestade. Eram fileiras e fileiras de espiava que tremiam à menor aragem. Pareciam castelos fantásticos, brancos mas cheios de reflexos de mil cores. O rapaz quis tocar-lhes, mas mal punha neles as suas mãos os castelos trémulos desfaziam-se.

Então foi brincar para as rochas. Começou por seguir um fio de água muito claro entre dois grandes rochedos escuros, cobertos de búzios. O rio ia dar a uma grande poça de água onde o rapazinho tomou banho e nadou muito tempo. Depois do banho continuou o seu caminho através das rochas. Ia andando para o sul da praia que era um deserto para onde nunca ninguém ia. A maré estava muito baixa e a manhã estava linda. As algas pareciam mais verdes do que nunca e o mar tinha reflexos lilases. O rapazinho sentia-se tão feliz que às vezes punha-se a dançar em cima dos rochedos. De vez em quando encontrava uma poça boa e tomava outro banho Quando ia já no décimo banho, lembrou-se que deviam ser horas de voltar para casa. Saiu da água e deitou-se numa rocha a apanhar sol.

«Tenho que ir para casa», pensava ele, mas não lhe apetecia nada ir-se embora. E, enquanto assim estava deitado, com a cara encostada às algas, aconteceu de repente uma coisa extraordinária: ouviu uma gargalhada muito esquisita, parecia um pouco uma gargalhada de ópera dada por uma voz de «baixo»: depois ouviu uma segunda gargalhada ainda mais esquisita, uma gargalhada pequenina, seca que parecia uma tosse: em seguida uma terceira gargalhada, que era como se alguém dentro de água fizesse «glu, glu». Mas o mais extraordinário de tudo foi a quarta gargalhada: era como uma gargalhada humana, mas muito mais pequenina, muito mais fina e muito mais clara. Ele nunca tinha ouvido uma voz tão clara: era como se a água ou o vidro se rissem.

Com muito cuidado para não fazer barulho levantou-se e pôs-se a espreitar escondido entre duas pedras. E viu um grande polvo a rir, um caranguejo a rir, um peixe a rir e uma menina muito pequenina a rir também. A menina, que devia medir um palmo de altura, tinha cabelos verdes, olhos roxos e um vestido feito de algas encarnadas. E estavam os quatro numa poça de água muito limpa e transparente toda rodeada de anémonas. E nadavam e riam."

in "A Menina do Mar", Sophia de Mello Breyner Andresen

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Sozinha...

"Ela caminhava pela casa, atravessava os corredores, subia as escadas, descia, sentava-se nas cadeiras a almoçar, a jantar ou apenas a lembrar-se de quando aquela casa estava cheia de gente. Ela tinha sido uma rapariga, tinham passada Invernos e verões. Nos seus ouvidos, muitas vezes, apareciam ainda restos das vozes que tinham existido naquela casa e que lhe sussurravam palavras, lhe contavam histórias. Essas vozes eram as memórias dos seus pais vivos. Era a irmã mais nova antes de partir. Não vás, fica comigo. Tenho de ir.

Ela não se esquecia de nada. Lembrava-se de ser pequena e a mãe ensinar-Ihe a bordar. A mãe e ela, tão juntas, tão mãe e tão filha, serenas e compenetradas em fins de tarde, a erguerem a agulha lentamente, a linha esticada. Lembrava-se de ser pequena e o pai levantá-Ia por baixo dos braços. No centro da sala, o pai a rir-se, ela a rir-se e a luz branda, filtrada pelas cortinas das janelas. Lembrava-se de ser pequena e ensinar palavras à irmã. Lembrava-se de serem raparigas e ficarem no quarto a falar de segredos. Lembrava-se do dia em que a irmã partiu, a despedida. Lembrava-se de cada palavra que a irmã lhe escreveu em cartas cada vez mais curtas, cada vez mais espaçadas, até ser apenas uma carta no aniversário e outra no Natal, até não ser nenhuma carta, até passarem anos sem nenhuma carta.

E, só hoje, depois de passar pela cozinha, pela sala, depois de passar os dedos pelo pó que cobre o piano, se lembrou do seu próprio corpo. Subiu as escadas até ao quarto. Os seus passos foram silenciosos. Abriu a porta do armário. Parou-se em frente ao espelho antigo onde, tantas vezes, se viu com vestidos novos e não se encontrou. O espelho atravessava-a e não a reflectia. A sua imagem diluiu-se no ar, transformou-se nem sequer em movimento. E só hoje, ela quis gritar, rasgar a garganta com gritos, mas teve a certeza absoluta de que ninguém poderia ouvi-la."

José Luís Peixoto

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Girl blowing soap bubbles...

Pierre Mignard

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domingo, julho 30, 2006

Saber...

"Uma ideia é como uma ave rara que não pode ser vista.
O que uma pessoa vê é o estremecimento do ramo de onde ela acaba de levantar voo."

Lawrence Durrell

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"Ama a arte, mais do que a mim.
Este é um afecto que nunca te faltará, não será afligido pela doença nem pela morte. Adora a ideia. É a única que é verdadeira, porque é a única que é eterna. Agora nós amamo-nos, talvez nos venhamos a amar ainda mais, mas quem sabe? Chegará o dia em que talvez nem dos nossos rostos nos lembraremos."

in "Carta a Louise Colet, 2 de Setembro de 1846", Gustave Flaubert

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Grass & twigs...

Michael Brown

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Ausência II...

"Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada."

Vinicius de Moraes

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sábado, julho 29, 2006

O desejo comanda a vida...

"A vida é curta e tediosa: passa-se inteira no desejar.
Adiam-se para o futuro o repouso e as alegrias, muitas vezes até à idade em que os melhores bens, a saúde e a juventude, já desapareceram. Essa época chega e ainda nos surpreende em meio a desejos; estamos nesse ponto quando a febre nos arrebata e extingue: caso nos curássemos, seria apenas para desejarmos por mais tempo."

in "Do Homem”, Jean de La Bruyére

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O verdadeiro é simples...

"O verdadeiro, o bom, o inigualável é simples e é sempre idêntico a si mesmo, seja qual for a forma sob a qual ocorre. Pelo contrário, o erro, sobre o qual sempre recairá a censura, é de uma extrema diversidade, diferente em si mesmo, em luta não apenas contra o verdadeiro e bom mas também consigo mesmo, sempre em contradição consigo próprio. É por isso que em todas as literaturas as expressões de censura hão-de ser sempre muito mais que as palavras destinadas aos louvores."

in “Máximas e Reflexões”, Johann Wolfgang von Goethe

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Hoje acordei assim...

Kate Hudson
Hoje há festa a chamar por mim, iuuuupyyyyyy!!!!

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sexta-feira, julho 28, 2006

A arte de ser feliz...

"Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz.
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.

Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde, e, em silêncio,
ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas.
Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse.
E eu olhava para as plantas, para o homem,
para as gotas de água que caíam de seus dedos magros
e meu coração ficava completamente feliz.

Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor.
Outras vezes encontro nuvens espessas.
Avisto crianças que vão para a escola.
Pardais que pulam pelo muro.
Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais.
Borboletas brancas, duas a duas, como reflectidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega.
Às vezes, um galo canta.
Às vezes, um avião passa.
Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino.
E eu me sinto completamente feliz.

Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas,
que estão diante de cada janela,
uns dizem que essas coisas não existem,
outros que só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente,
que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim."

Cecília Meireles

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O mundo é de quem não sente...

"O mundo é de quem não sente. A condição essencial para se ser um homem prático é a ausência de sensibilidade. A qualidade principal na prática da vida é aquela qualidade que conduz à acção, isto é, a vontade. Ora há duas coisas que estorvam a acção – a sensibilidade e o pensamento analítico, que não é, afinal, mais que o pensamento com sensibilidade. Toda a acção é, por sua natureza, a projecção da personalidade sobre o mundo externo, e como o mundo externo é em grande e principal parte composto por entes humanos, segue que essa projecção da personalidade é essencialmente o atravessarmo-nos no caminho alheio, o estorvar, ferir e esmagar os outros, conforme o nosso modo de agir.

Para agir é, pois, preciso que nos não figuremos com facilidade as personalidades alheias, as suas dores e alegrias. Quem simpatiza pára. O homem de acção considera o mundo externo como composto exclusivamente de matéria inerte - ou inerte em si mesma, como uma pedra sobre que passa ou que afasta do caminho; ou inerte como um ente humano que, porque não lhe pôde resistir, tanto faz que fosse homem como pedra, pois, como à pedra, ou se afastou ou se passou por cima."

in “O Livro do Desassossego”, Fernando Pessoa

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The Rehearsal...

Edgar Degas

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O simples e o complicado...

"As pessoas não querem que se lhes dê lições.
É por isso que não compreendem agora as coisas mais simples. No dia em que o quiserem, verificar-se-á que são capazes de compreender também as coisas mais complicadas. Até lá, as instruções são: continuar a trabalhar, discutir o menos possível. Com efeito, só poderíamos dizer a um indivíduo: você é um imbecil, a outro: você é um patife, e há boas razões que excluem a realização expressiva de tais convicções. Sabemos, de resto, que estamos diante de pobres diabos, que receiam por um lado chocar, prejudicar as suas carreiras e que, por outro lado, se encontram acorrentados pelo medo do que está recalcado neles próprios. Teremos de esperar que todos eles morram ou se tornem lentamente minoritários. De qualquer maneira, o que acontece de fresco e de novo é a nós que pertence."

in “As Palavras de Freud”, Sigmund Freud

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quinta-feira, julho 27, 2006

Instantes perfeitos...

"De que é feito o amor?
De vontade, de tempo, de perfeição.
De espera, de respeito, de paciência.
De doçura, de proximidade, de generosidade.
De sonho, de paixão e de alguma tristeza.
Há pessoas que ficam muito tristes quando percebem que se vão apaixonar.
E outras que ficam ainda mais quando se apercebem que não conseguem atingir esse estado exaltado e sublime que faz parar os ponteiros do relógio, satura as cores e traz uma luz perfeita à existência."

Margarida Rebelo Pinto

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Allegory of lust...

Agnolo Bronzino

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Às vezes, penso que é impossível que entendas completamente aquilo que sinto...

"Às vezes, penso que é impossível que entendas completamente aquilo que sinto. A culpa não é tua. Não existe culpa. As palavras que tenho são muito insuficientes, são muito imperfeitas. E se, num momento, vejo a minha mão deslizar sobre a pele do teu rosto, ou sobre a pele do teu pescoço, ou sobre a pele da tua voz olhar presença, sou atingido por um raio e tenho de dizer palavras, tenho de tentar dizer-te aquilo que sinto. Esses são os momentos em que digo a palavra amor. Palavra insuficiente e imperfeita que não sei o que te diz. Esses são os momentos em que sinto que qualquer coisa grande como o mundo me atravessa; a primavera inteira atravessa-me; as vozes e os sorrisos de todas as crianças atravessam-me; a lua, nós conhecemos a lua, a sua luz tão lenta no céu da noite, e a noite iluminada por luz, luz estendida sobre o rio onde se estende o nosso olhar imenso, cheio qualquer coisa grande como o mundo, a lua, a noite e a luz atravessam-me. E digo a palavra amor como se dissesse tudo isto. E, quando me dizes a palavra amor, acredito que partilhamos palavras. E podemos dizer essa palavra dentro de um beijo. Os nossos lábios juntos a fazerem os mesmos movimentos, a fazerem as formas dessa palavra: a m o r. Juntos. E há outra palavra que não sabemos como dizer: felicidade. Dizemos felicidade e, dentro do instante dessa palavra, sentimos alguma coisa que chamamos por esse nome. É também grande como o mundo. Quando estamos juntos, de mãos dadas, quando nos abraçamos e os nossos corpos se tocam mais do que se estivessem apenas a tocar-se, quando as nossas vozes são a mesma, quando as nossas palavras, sentimos muitas coisas grandes como o mundo. O mundo é tantas vezes infinito.

No entanto, quando estou sozinho por um momento, quando o teu rosto é apenas tocado pela minha memória, penso que é impossível que entendas completamente aquilo que sinto. A culpa não é minha. Não existe culpa. Daquilo que sinto, dessas palavras, amor, felicidade, sei apenas que são grandes como o mundo quando o mundo é infinito. Posso estar na rua, posso estar no meu quarto, posso ter acabado de acordar e o meu corpo fica rodeado pelas folhas do outono que o vento agita, fica rodeado de pássaros e a claridade é a pureza singela, como os teus olhos, como os teus lábios, como os teus dedos, como a tua pele. É tão grande. Tão grande. E é por isso que penso que é impossível que entendas, mas depois penso que nós, a palavra amor, isto, tão grande, nós somos feitos de tantas coisas impossíveis, tantas coisas de que duvidamos, tantas coisas que verdadeiramente acreditámos impossíveis, com todas as certezas, com todas as dúvidas. Nós somos impossíveis e, no entanto, no entanto, no entanto, estamos aqui, dizemos essa palavra impossível, amor, e vemos significados na voz, na pele, no olhar e dentro de nós. Tu sabes que existe o medo. Gostava de poder dizer-te para não teres medo, mas eu também sei que existe o medo. Na vertigem, de repente, esse momento. Penso que é impossível. E é quando gostava que me desses a mão. Tu sabes que é assim. Existe tudo dentro dessa palavra, amor, essa palavra que dizemos e que nos soterra. Estamos debaixo dela como se estivéssemos debaixo de montanhas, como se existíssemos no centro do céu sem nuvens. E imaginamos que todos podem ver-nos, e imaginamos que ninguém nos vê. Possível e impossível.

Quando digo amor, apenas esta palavra, amor, gostava de dizer-te que por trás do meu rosto estão todos os gestos que poderão amparar-te quando precisares, todos precisamos de gestos e de palavras às vezes, eu tenho e terei esses gestos e essas palavras para ti; gostava de dizer-te que o sangue começou já a correr pelas ruas do futuro, e o sangue tem essa pureza singela da claridade, gostava de falar-te do mar, mas tu sabes mais do que eu sobre o mar, um infinito de coisas simples; gostava de dizer-te que por trás do meu rosto existe de novo o meu rosto e existe o teu rosto e existe a esperança, a rua da esperança. Estamos aqui. Juntos. Posso estar na rua, posso estar no meu quarto, e sei, sinto que estamos de mãos dadas, abraçamo-nos e os nossos corpos tocam-se mais do que se estivessem apenas a tocar-se, as nossas vozes são a mesma. É tão grande. Tão grande. Possível e impossível. E poderia continuar a dizer palavras, tudo, mundo, sempre, e todas essas palavras seriam insuficientes e tão imperfeitas. A culpa não é tua, não é minha. Não existe culpa. Existe o contrário da culpa, qualquer coisa boa e absoluta.
Estendo a minha mão dentro dessa névoa luminosa. Sinto essa claridade na minha pele. Sou atingido por um raio e sei que poderia continuar a dizer palavras, mas agora olho-te nos olhos, atravesso-os e sou atravessado por eles, o teu rosto está à distância da minha respiração, os teus dedos e os meus dedos, a nossa pele, e sei que poderia continuar a dizer palavras, mas agora olho-te nos olhos e basta-me a verdade desta palavra, amor, e basta-me a verdade do teu nome: _____________."

José Luís Peixoto

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Hoje sinto-me assim...

Charlize Theron
"Elegância é a arte de não se fazer notar, aliada ao cuidado subtil de se deixar distinguir"
Paul Valery

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quarta-feira, julho 26, 2006

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" Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento de mais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar."

Ricardo Reis

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La ballerina bleu...

foto: autor desconhecido

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Saber estar...

"A vida é um desempate permanente, e o que é preciso é jogar com limpeza e formosura em cada número da caprichosa roleta...”

Miguel Torga

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Uma casa na escuridão...

"...O amor é o sangue do sol dentro do sol. A inocência repetida mil vezes na vontade sincera de desejar que o céu compreenda. Levantam-se tempestades frágeis e delicadas na respiração vegetal do amor. Como uma planta a crescer da terra.
O amor é a luz do sol a beber a voz doce dessa planta. Algo dentro de qualquer coisa profunda.
O amor é o sentido de todas as palavras impossíveis. Atravessar o interior de uma montanha. Correr pelas horas originais do mundo.
O amor é a paz fresca da combustão de um incêndio dentro, dentro, dentro, dentro, dentro dos dias. Em cada instante de manhã, o céu a deslizar como um rio. À tarde, o sol como uma certeza.
O amor é feito de claridade e da seiva das rochas.
O amor é feito de mar, de ondas na distância do oceano e da areia eterna. O amor é feito de tantas coisas opostas e verdadeiras. Nascem lugares para o amor e, nesses jardins etéreos, a salvação é uma brisa que cai sobre o rosto suavemente."

José Luís Peixoto

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Arte de ser feliz...



“Houve um tempo em que a minha janela se abria sobre uma cidade que parecia ser feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco. Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto. Mas todas as manhãs vinha um pobre homem com um balde, e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas.
Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros, e meu coração ficava completamente feliz.
(...)
Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor. Outras vezes encontro nuvens espessas. Avisto crianças que vão para a escola. Pardais que pulam pelo muro. Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais. Borboletas brancas, duas a duas, como reflectidas no espelho do ar. Às vezes um galo canta. Às vezes um avião passa.
Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino. E eu me sinto completamente feliz.
Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim”.

Cecília Meireles
foto: Gustavo Orensztajn

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Um óasis no momento...

"Se vieres à minha procura
estou atrás do lugar que não existe
atrás do lugar que não existe há um lugar
atrás do lugar que não existe
são as veias do ar cheias de mensageiros
que trazem notícias da mais longínqua florida flor da terra
na face da areia estão traçadas as marcas do cavalo de um cavaleiro gracioso
que de manhã subiu ao cimo da montanha de Ascensão
atrás do lugar que não existe está aberto o leque dos desejos
tocam as campainhas de chuva para que a brisa sequiosa possa chegar ao cimo
de uma folha das campainhas de chuva que tocam
aqui o homem está só
e nesta solidão a sombra de um ulmeiro flui para a eternidade
se vieres à minha procura
vem devagar e suavemente para não quebrar a porcelana da minha solidão."

Sohrab Sepehry

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terça-feira, julho 25, 2006

Stop all the clocks, cut off the telephone...

"Stop all the clocks, cut off the telephone,
Prevent the dog from barking with a juicy bone,
Silence the pianos and with muffled drum
Bring out the coffin, let the mourners come.

Let aeroplanes circle moaning overhead
Scribbling on the sky the message He Is Dead,
Put crêpe bows round the white necks of the public doves,
Let the traffic policemen wear black cotton gloves.

He was my North, my South, my East and West,
My working week and my Sunday rest,
My noon, my midnight, my talk, my song;
I thought that love would last for ever: I was wrong.

The stars are not wanted now: put out every one;
Pack up the moon and dismantle the sun;
Pour away the ocean and sweep up the wood;
For nothing now can ever come to any good. "

W. H. Auden

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Jardim perdido...

"Jardim
em flor, jardim de impossessão,
Transbordante de imagens mas informe,
Em ti se dissolveu o mundo enorme,
Carregado de amor e solidão.
A verdura
das arvores ardia,
O vermelho das rosas transbordava
Alucinado cada ser subia
Num tumulto em que tudo germinava.
A luz trazia
em si a agitação
De paraísos, deuses e de infernos,
E os instantes em ti eram eternos
De possibilidades e suspensão.
Mas cada
gesto em ti se quebrou, denso
Dum gesto mais profundo em si contido,
Pois trazias em ti sempre suspenso
Outro jardim possível e perdido."

Sophia de Mello Breyner Andresen

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Florir...

"O florir do encontro casual
Dos que hão sempre de ficar estranhos...

O único olhar sem interesse recebido no acaso
Da estrangeira rápida ...

O olhar de interesse da criança trazida pela mão
Da mãe distraída...

As palavras de episódio trocadas
Com o viajante episódico
Na episódica viagem ...

Grandes mágoas de todas as coisas serem bocados...
Caminho sem fim..."

Álvaro de Campos

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Vícios de corpo e alma...

"Se descobrires em ti um ponto fraco, em vez de o dissimulares reduz-te às tuas próprias dimensões e corrige-te. Ah!, se a alma tivesse de combater só o corpo?! Porque ela também tem as suas inclinações viciosas e é necessário que uma das suas partes - a mais pequena, mas ao mesmo tempo a mais divina - combata a outra, sem cessar. Todas as paixões do corpo são vis. As da alma, que são vis, tornam-se verdadeiros cancros: a inveja, etc. A cobardia é tão vil que deve ser comum a ambos."

in "Diário", Eugène Delacroix

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Only one...

foto: Adolfo Valente

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segunda-feira, julho 24, 2006

...

"Por isso, a loucura é irmã do sonho. O doido sonha acordado, como se estivesse adormecido. Daí, a insónia que o tortura. Para ele, a vigília é sono, um sono febril, uma exaltação de labaredas. Dorme de pé, caminha, fala alto, gesticula."

Teixeira de Pascoaes

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União...

"Tenho, ainda, o teu corpo nos meus braços;
Sobre os meus ombros, teu cabelo.
Descansando dos meus e teus cansaços,
Tu dormes por nós ambos. Só eu velo.

Nos meus braços teu corpo estremeceu,
Desse tremor o meu foi percorrido.
Colados, curva a curva, onde começa o teu?
Onde se acaba o meu? Teu e meu têm sentido?

Teu ligeiro suor penetra a minha pele:
Teu suor dos transportes de há momento
Que me atrevo a provar como quem lambe mel,
Em que refresco as mãos como num leve unguento.

Brandamente, por vezes, te desvio
De mim, para melhor, depois, sentir
Que és bem tu que eu agarro, acaricio,
Bem tu que eu pude, em mim, fundir.

Ai, anular-te em mim sem te perder!
Aniquilar-me em ti, - mas sendo nós!
Velo, e nem sinto a noite discorrer.
Sonho, e que sonho de que amor feroz?

Se ela viesse agora, Aquela que em seu manto
de silêncio e de sombra nos transporta,
Não seria melhor, meu doce encanto?
Poder eu, ao morrer, ver-te já morta?

Porque amanhã,
Se não mesmo esta noite, o nosso inferno
Não mais permitirá que qualquer sombra vã
Da glória dum momento eterno."

José Régio

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O Sol...

"Pois ao longo da viela em que, pelas mansardas,
Persianas fazem véu às luxúrias bastardas,
Quando o sol reverbera, imponente e inimigo,
Sobre a cidade e o campo e sobre o teto e o trigo,
Eu ponho-me a treinar em minha estranha esgrima,
Farejando por tudo os acasos da rima,
Numa frase a tombar como diante de obstáculos,
Ou topando algum verso há muito em nossos cálculos.

Este pai nutritivo, a odiar sempre o que enferme,
Pelos campos desperta a rosa como o verme;
Faz as mágoas voar de que as almas são cheias,
Enchendo o pensamento ao encher as colmeias.
Ele é quem dá o alento aos que vêm de muletas,
Dando-lhes um frescor de jóias ou violetas,
Para ordenar depois que amadureça a messe
No coração eterno, o que sempre floresce!

E quando vai à rua, à maneira de um poeta,
Ele sabe aureolar a coisa mais abjecta.
Sozinho e sem rumor, como um rei se introduz
Nos hospitais da mágoa e nas mansões da luz!"

Charles Baudelaire

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Innocence of love...

Francesco Bartolozzi

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Ou isto ou aquilo...

"Ou se tem chuva e não se tem sol,
ou se tem sol e não se tem chuva!

Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!

Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.

É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo nos dois lugares!

Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...
e vivo escolhendo o dia inteiro!

Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranqüilo.

Mas não consegui entender ainda
qual e melhor: se é isto ou aquilo."

Cecília Meireles

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Hoje acordei assim...

Audrey Tautou

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domingo, julho 23, 2006

Chão de palavras...

"A cidade é um chão de palavras pisadas
a palavra criança a palavra segredo.
A cidade é um céu de palavras paradas
a palavra distância e a palavra medo.

A cidade é um saco um pulmão que respira
pela palavra água pela palavra brisa
A cidade é um poro um corpo que transpira
pela palavra sangue pela palavra ira.

A cidade tem praças de palavras abertas
como estátuas mandadas apear.
A cidade tem ruas de palavras desertas
como jardins mandados arrancar.

A palavra sarcasmo é uma rosa rubra.
A palavra silêncio é uma rosa chá.
Não há céu de palavras que a cidade não cubra
não há rua de sons que a palavra não corra
à procura da sombra de uma luz que não há."

José Carlos Ary dos Santos

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sábado, julho 22, 2006

...

“E por fim viste-te a ti própria como um fruto, despojaste-te dos teus vestidos, levaste-te para diante do espelho, deixaste-te entrar ao teu olhar; isto ficou grande, à tua frente, e não dizia: isto sou eu; não, antes: isto é."

Rainer Maria Rilke

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Topo do Mundo...

"Diz quanto custa o seu sorriso
Diz quanto custa o seu amor
Faço o que for preciso
Faço tudo que preciso for

Eu pulo do alto da torre
Só por você
E subo no topo do mundo tentando
Encontrar, seu olhar
Riqueza nem ouro eu tenho a oferecer
Só tenho no peito o tesouro guardado
Pra te dar, te amar

O que você quiser tem em mim
Tudo que há em mim eu te dou
Tudo tudo tudo, amor
Tudo tudo tudo

Diz quanto custa o seu sorriso
Diz quanto custa o seu amor
Faço o que for preciso
Faço tudo que preciso for

Eu pulo do alto da torre
Só por você
E subo no topo do mundo tentando
Encontrar, seu olhar
Riqueza nem ouro eu tenho a oferecer
Só tenho no peito o tesouro guardado
Pra te dar, te amar

O que você quiser tem em mim
Tudo que há em mim eu te dou
Tudo tudo tudo, amor
Tudo tudo tudo."

Daniela Mercury

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Bruta flor...

"Onde queres revólver sou coqueiro
E onde queres dinheiro sou paixão
Onde queres descanso sou desejo
E onde sou só desejo queres não
E onde não queres nada, nada falta
E onde voas bem alto eu sou o chão
E onde pisas o chão minha alma salta
E ganha liberdade na amplidão
Onde queres família sou maluco
E onde queres romântico, burguês
Onde queres Leblon sou Pernambuco
E onde queres eunuco, garanhão
Onde queres o sim e o não, talvez
E onde vês eu não vislumbro razão
Onde queres o lobo eu sou o irmão
E onde queres cowboy eu sou chinês
Ah! bruta flor do querer
Ah! bruta flor, bruta flor
Onde queres o ato eu sou espírito
E onde queres ternura eu sou tesão
Onde queres o livre decassílabo
E onde buscas o anjo sou mulher
Onde queres prazer sou o que dói
E onde queres tortura, mansidão
Onde queres um lar, revolução
E onde queres bandido sou herói
Eu queria querer-te e amar o amor
Construir-nos dulcíssima prisão
Encontrar a mais justa adequação
Tudo métrica e rima e nunca dor
Mas a vida é real e de viés
E vê só que cilada o amor me armou
eu te quero (e não queres) como sou
Não te quero (e não queres) como és
Ah! bruta flor do querer
Ah! bruta flor, bruta flor
Onde queres comício, flipper-vídeo
E onde queres romance, rock'n'roll
Onde queres a lua eu sou o sol
E onde a pura natura, o inseticídio
Onde queres mistério eu sou a luz
E onde queres um canto, o mundo inteiro
Onde queres Quaresma, Fevereiro
E onde queres coqueiro sou obus
O quereres e o estares sempre a fim
Do que em mim é de mim tão desigual
Faz-me querer-te bem, querer-te mal
bem a ti, mal ao quereres assim
Infinitamente pessoal
e eu querendo querer-te sem ter fim
E querendo-te aprender o total
Do querer que há e do que não há em mim."

Caetano Veloso

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sexta-feira, julho 21, 2006

Mil vezes...

"Mil vezes a experiência tem demonstrado, mesmo em pessoas não particularmente dadas à reflexão, que a melhor maneira de chegar a uma boa ideia é ir deixando discorrer o pensamento ao sabor dos seus próprios acasos e inclinações, mas vigiando-o com uma atenção que convém parecer distraída, como se estivesse a pensar noutra coisa, e de repente salta-se em cima do desprevenido achado como um tigre sobre a presa."

in "O Evangelho Segundo Jesus Cristo", José Saramago

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A vida...

"É vão o amor, o ódio, ou o desdém;
Inútil o desejo e o sentimento...
Lançar um grande amor aos pés de alguém
O mesmo é que lançar flores ao vento!

Todos somos no mundo" Pedro Sem",
Uma alegria é feita dum tormento,
Um riso é sempre o eco dum lamento,
Sabe-se lá um beijo de onde vem!

A mais nobre ilusão morre... desfaz-se...
Uma saudade morta em nós renasce
Que no mesmo momento é já perdida...

Amar-te a vida inteira eu não podia.
A gente esquece sempre o bem de um dia.
Que queres, meu Amor, se é isto a vida!"

Florbela Espanca

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Um amor perfeito...

"Há dias em que acordo com dez anos, o cabelo despenteado e os olhos a brilhar como duas estrelas. Podes estar ou não ao meu lado a dormir como uma criança, ou a viver na minha memória, mas sinto sempre o teu cheiro a leite e oiço a tua respiração regular e vejo o teu peito a subir e a descer ao ritmo do teu coração. O ar enche-se de açúcar em camadas invisíveis que se espalham por toda a casa e nos acompanham à rua quando saímos, sempre atrasados, porque nunca nos queremos separar.
Enquanto guio pela cidade e resolvo a minha quase infindável lista de tarefas, tu vais sentado ao meu lado, vejo-te de óculos escuros, oiço-te a cantarolar e sinto a tua mão esquerda sobre as minhas pernas. Nos sinais vermelhos, se fechar os olhos e me concentrar, a tua boca vai escorregar pelo meu pescoço acima até dobrar a linha do maxilar e percorrer a minha cara até chegar à minha boca para mergulhares em mim como uma onda salgada e doce, num beijo profundo e demorado.
Às vezes os outros carros buzinam porque estou distraída, mas não me importo, faço tudo devagar, com a doçura e a sabedoria dos eternos apaixonados que vivem a sonhar acordados, que viajam para outras cidades em sonhos, que adivinham o futuro melhor do que qualquer cartomante, que imaginam cada dia como o dia perfeito das suas vidas.
Tu és o meu amor perfeito. Não sei exactamente quem és nem em que cidade vives, mas és muito bonito, tens um coração onde cabe o mundo inteiro, gostas de ler e de rir e os teus amigos dizem que és o melhor amigo do mundo. Gostas de viajar, falas várias línguas e consegues fazer piadas em todas elas. Andas de ténis e de calças com bolsos, tens uns olhos enormes e o cabelo despenteado. Nunca serás um senhor de fato e gravata, nunca serás administrador de um banco, nunca chegarás a casa com cara de chato, como fazem aqueles maridos que deixam crescer a barriga, andam de pantufas e passam horas colados aos canais de desporto.
Tu és o meu amor perfeito, que me compra colares e me escreve bilhetes, que me dá a mão na rua, que me abraça no meio de todas as praças e me leva para a cama sem hora marcada. Tens um sorriso enorme e sempre que olhas para mim, sinto uma fábrica de borboletas no estômago e tenho vontade de rir e de chorar ao mesmo tempo, porque sabes fazer-me a pessoa mais feliz do mundo.
Não sei em que país vives ou de que planeta desceste, mas tenho a certeza que vives na terra e que, tal como eu, sonhas com um amor perfeito, feito de paz e de açúcar, um amor seguro e tranquilo que a distância não mata nem o silêncio consome. Pode ser que te torne mesmo verdade e um dia destes entres pela porta da minha casa e me digas que nunca mais te vais embora. Mas, mesmo que nunca venhas, és o meu amor perfeito, a imagem idealizada do que desejo e mereço, o sonho que me faz acordar e sentir-me outra vez com dez anos, com estrelas no olhos e o coração cheio de açúcar."

Margarida Rebelo Pinto

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quinta-feira, julho 20, 2006

Paisage...



"El campo
de olivos
se abre y se cierra
como un abanico.
Sobre el olivar
hay un cielo hundido
y una lluvia oscura
de luceros fríos.
Tiembla junco y penumbra
a la orilla del río.
Se riza el aire gris.
Los olivos,
están cargados
de gritos.
Una bandada
de pájaros cautivos,
que mueven sus larguísimas
colas en lo sombrío."

Federico García Lorca
Foto: Alejandro Emilio Fernandez

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Saber estar...

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Toda a noite...

"Passei toda a noite, sem dormir, vendo, sem espaço, a figura dela,
E vendo-a sempre de maneiras diferentes do que a encontro a ela.
Faço pensamentos com a recordação do que ela é quando me fala,
E em cada pensamento ela varia de acordo com a sua semelhança.
Amar é pensar.
E eu quase que me esqueço de sentir só de pensar nela.
Não sei bem o que quero, mesmo dela, e eu não penso senão nela.
Tenho uma grande distracção animada.
Quando desejo encontrá-la
Quase que prefiro não a encontrar,
Para não ter que a deixar depois.
Não sei bem o que quero, nem quero saber o que quero. Quero só Pensar nela.
Não peço nada a ninguém, nem a ela, senão pensar."

Alberto Caeiro

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A perseverança...

"Se há pessoas que não estudam ou que, se estudam, não aproveitam, elas que não se desencorajem e não desistam; se há pessoas que não interrogam os homens instruídos para esclarecer as suas dúvidas ou o que ignoram, ou que, mesmo interrogando-os, não conseguem ficar mais instruídas, elas que não se desencorajem e não desistam; se há pessoas que não meditam ou que, mesmo que meditem, não conseguem adquirir um conhecimento claro do princípio do bem, elas que não se desencorajem e não desistam; se há pessoas que não distinguem o bem do mal ou que, mesmo que distingam, não têm uma percepção clara e nítida, elas que não se desencorajem e não desistam; se há pessoas que não praticam o bem ou que, mesmo que o pratiquem, não podem aplicar nisso todas as suas forças, elas que não se desencorajem e não desistam; o que outros fariam numa só vez, elas o farão em dez, o que outros fariam em cem vezes, elas o farão em mil, porque aquele que seguir verdadeiramente esta regra da perseverança, por mais ignorante que seja, tornar-se-á uma pessoa esclarecida, por mais fraco que seja, tornar-se-á necessariamente forte."

in "A Sabedoria de Confúcio", Confúncio

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quarta-feira, julho 19, 2006

Sabedoria Antiga...

"Quando calado, todo o homem inculto é prudentíssimo: ele esconde a palavra como uma doença vergonhosa."

Páladas de Alexandria

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Blue...

Taecho Lee

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Há-de flutuar uma cidade...

"Há-de flutuar uma cidade no crepúsculo da vida
pensava eu... como seriam felizes as mulheres
à beira mar debruçadas para a luz caiada
remendando o pano das velas espiando o mar
e a longitude do amor embarcado

por vezes
uma gaivota pousava nas águas
outras era o sol que cegava
e um dardo de sangue alastrava pelo linho da noite
os dias lentíssimos... sem ninguém

e nunca me disseram o nome daquele oceano
esperei sentado à porta... dantes escrevia cartas
punha-me a olhar a risca de mar ao fundo da rua
assim envelheci... acreditando que algum homem ao passar
se espantasse com a minha solidão

(anos mais tarde, recordo agora, cresceu-me uma pérola no
coração. mas estou só, muito só, não tenho a quem a deixar.)

um dia houve
que nunca mais avistei cidades crepusculares
e os barcos deixaram de fazer escala à minha porta
inclino-me de novo para o pano deste século
recomeço a bordar ou a dormir
tanto faz sempre tive dúvidas que alguma vez me visite a felicidade."

Al Berto

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Sobre um tecto de nuvens brilha o sol...

"Imagino que os foguetes desta noite (mais do que um «olá!») tenham servido para dizer «adeus!», quase de fugida. Suponho que quem os lançou estivesse animado pelo fascínio de mudar de vida numa noite e esteja disposto a casar com o ano novo antes, ainda, de trocar com ele um galanteio ou de sentir, por isso, o friozinho com que o coração nos recomenda a namorar.
Embora pareça, não é verdade que as pessoas más aumentem, em número, com a idade. Na verdade, roubam-nos à festa, e é por elas que, todos os anos, aquilo que (dantes) era colorido, com o tempo, parece escurecer (devagarinho), tornando-nos medrosos e desconfiados. No fundo, esperamos muito que todos os gestos que trazemos, entreabertos, encontrem - num só alguém - a sua redenção (que, de uma vez, nos leve do dia em que ganhou luz e cor, em nós, ao ano novo).

Mas nem sempre um ano novo afasta todas as nuvens do olhar (como, afinal, tantos foguetes nos levariam a supor).Porque é que, apesar de ser Janeiro todos os anos, parece ser - tão poucas vezes - ano novo? Pode um adeus ser motivo de festa ou de euforia? Pode. Se tanta exaltação trouxer... alívio. Mas, se for assim, tantos estrondos coloridos não são de boas-vindas. Nem trazem consigo a respiração, ofegante, que nos atrapalha antes, ainda, de o nosso coração compreender que a vida insiste em ser nossa namorada.

Por mais que os anos se renovem, estar vivo é nunca dizer adeus. É inventarmo-nos, sem deixarmos de ser tudo o que somos. Por força do brilho, colorido, de um namoro, que nos torne mais fáceis e mais bonitos. Já mudar de vida é tudo o que sobra quando falta com quem nos transformarmos. Quem dera, pois, que - a partir de hoje - o novo ano nos proibisse, a todos, de namorar para casar. E nos ensinasse, com o esplendor de um clarão, que namorar é confiarmo-nos (a quem abra janelas onde, antes, parecia só haver sítios escurecidos). Sem precisarmos, nunca, de saber onde nos leva.
Namorar - para que nos leve, directamente, ao ano novo - faz-se de paixão e de «logo se vê!...». Não se planeia: aceita-se. Com medo e com júbilo, mas de surpresa. Desfia-se, para além do sonho e da vontade, e é - digamos assim - um compromisso feito, unicamente, entre um coração e o seu, irreverente, palpitar. Mesmo que amarrote por dentro. E que engasgue. E nos ponha a dizer «parvo!...» sempre que apetece, de mansinho, dizer «gosto de ti...». Namorar torna-nos comoventes e audazes. Tontos, brincalhões e ternurentos."

Eduardo Sá

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Aprender a viver...

"De um modo geral aceita-se que nenhuma actividade pode ser levada a cabo com sucesso por um indivíduo que esteja preocupado, uma vez que, quando distraída, a mente nada absorve com profundidade, mas rejeita tudo quanto, por assim dizer, a assoberba. Viver é a actividade menos importante do homem preocupado, no entanto, nada há mais difícil de aprender; por todo o lado, encontram-se muitos instrutores das outras artes: na realidade, algumas destas artes são captadas tão intensamente por simples rapazes que assim as podem ensinar. Mas aprender a viver exige uma vida inteira e, o que te pode supreender ainda mais, é necessária uma vida inteira para aprender a morrer.

Tantos dos mais ilustres homens puseram de lado todos os seus embaraços, renunciando a riquezas, negócios e prazeres e tomaram como único alvo até ao fim das suas vidas, saber viver.
Contudo, muitos deles morreram a confessar que ainda nada sabiam - muito menos saberão os outros. Acredita em mim: é marca de um grande homem, daquele que está acima do erro humano, não permitir que o seu tempo seja esbanjado: ele tem a mais longa vida possível simplesmente porque todo o tempo que tinha disponível o devotou inteiramente a si. Nada do seu tempo é desperdiçado ou negligenciado, nada do seu tempo fica sob controlo de outrém; ao ser um guardião extremamente zeloso do seu tempo, nunca encontrou nada que merecesse a troca. Assim, ele tem tempo suficiente; mas aqueles em cujas vidas o público faz grandes devassas inevitavelmente têm muito pouco de seu."

in "Da Brevidade da Vida", Séneca

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Hoje acordei assim...


Scarlett Johansson
"O amor é o desejo de alcançar a amizade de uma pessoa que nos atrai pela beleza."
Cícero

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terça-feira, julho 18, 2006

Sabedoria Antiga...

"Never interrupt your enemy when he is making a mistake"

Napoleon Bonaparte

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Saber...

"Temos todos duas vidas: a verdadeira, que é a que sonhamos na infância; e a falsa, que é a que vivemos em convivência com os outros"

Fernando Pessoa

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The source...

Jean-Auguste Ingres

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À noite, à noite...

"Se à noite abrires de par em par o teu coração
eu entrarei e dormirei muitas vezes em tua casa.
E se toda a noite fixas as estrelas
é porque elas te falam a língua dos segredos.
E se passares as horas acordada, ouvirás
bater o coração do universo no silêncio.

Não te surpreendas: olha bem e verás
que os dois corações batem ao mesmo ritmo.
Terás encontrado a porta do mistério fechada,
mais ninguém passará por essa porta.
Lembra-te do caminho para poderes voltar."

Olivier Friggieri

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Eu quero ser sua canção...

"Eu quero ser sua canção
Eu quero ser seu tom
Me esfregar na sua boca
Ser o seu batom
O sabonete que alisa em baixo do chuveiro
A toalha que alisa o seu corpo inteiro
Eu quero ser o travesseiro
E ter a noite inteira
Pra beijar durante o tempo que você dormir
Eu quero ser o sol que entra
No seu quarto adentro
Acordar de vagarinho
E fazer sorrir
Quero estar na maciez do toque dos seus dedos
Entrar na intimidade desses seus segredos
Quero ser a coisa boa
Liberada ou proibida
Tudo em sua vida
Todo homem que sabe o que quer
Sabe dar e querer da mulher
O melhor é fazer desse amor
O que come, o que bebe
O que dá e recebe
Mas o homem que sabe o que quer
Que se apaixona por uma mulher
Ele faz desse amor sua vida
A comida, a bebida
Na justa medida
Eu quero que você me dê
O que você quiser
Quero dar tudo que um homem dá a uma mulher
Além de todo esse carinho, que você me faz
Fico imaginando coisas
Quero sempre mais
Você é o doce que eu mais gosto
Meu café completo
A bebida preferida
E o prato predileto
Eu como e bebo do melhor
Não tem hora certa
De manhã, de tarde, a noite
Não faço dieta
Esse amor que alimenta a minha fantasia
É meu sonho, minha festa
Minha alegria
A comida mais gostosa
Meu fumo, minha bebida
Tudo em minha vida."

Roberto Carlos & Erasmo Carlos

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segunda-feira, julho 17, 2006

Às vezes...

"Às vezes tenho ideias felizes,
Ideias subitamente felizes, em ideias
E nas palavras em que naturalmente se despegam...

Depois de escrever, leio...
Por que escrevi isto?
Onde fui buscar isto?
De onde me veio isto? Isto é melhor do que eu...
Seremos nós neste mundo apenas canetas com tinta
Com que alguém escreve a valer o que nós aqui traçamos?..."

Álvaro de Campos

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Chianti dawn...

Ian Jeanneret

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Valsinha...

"Um dia, ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar
Olhou-a de um jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar
E não maldisse a vida tanto quanto era seu jeito de sempre falar
E nem deixou-a só num canto, pra seu grande espanto, convidou-a pra rodar
E então ela se fez bonita como há muito tempo não queria ousar
Com seu vestido decotado cheirando a guardado de tanto esperar
Depois os dois deram-se os braços com há muito tempo não se usava dar
E cheios de ternura e graça, foram para a praça e começaram a se abraçar
E ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou
E foi tanta felicidade que toda cidade se iluminou
E foram tantos beijos loucos, tantos gritos roucos como não se ouvia mais
Que o mundo compreendeu
E o dia amanheceu
Em paz."

Chico Buarque

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Oda al presente...

"Este
presente
liso
como una tabla,
fresco,
esta hora,
este día
limpio
como una copa nueva?
del pasado
no hay una
telaraña?
tocamos
con los dedos
el presente,
cortamos
su medida,
dirigimos
su brote,
está viviente,
vivo,
nada tiene
de ayer irremediable,
de pasado perdido,
es nuestra
criatura,
está creciendo
en este
momento, está llevando
arena, está comiendo
en nuestras manos,
cógelo,
que no resbale,
que no se pierda en sueños
ni palabras,
agárralo,
sujétalo
y ordénalo
hasta que te obedezca,
hazlo camino,
campana,
máquina,
beso, libro,
caricia,
corta su deliciosa
fragancia de madera
y de ella
hazte una silla,
trenza
su respaldo,
pruébala,
o bien
escalera!"

Pablo Neruda

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Hoje acordei assim...

Cameron Diaz
A este calor deixa-me transloucada e sem reacção...
Sim?? Oi?? olá... aahhh

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domingo, julho 16, 2006

...

"A vida é a hesitação entre uma exclamação e uma interrogação.
Na dúvida, há um ponto final."

Bernardo Soares

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A amizade é indispensável ao nosso ser...

"A amizade é a única coisa cuja utilidade é unanimemente reconhecida. A própria virtude tem muitos detractores, que a acusam de ostentação e charlatanismo. Muitos desprezam as riquezas e, contentes de pouco, agradam-se da mediocridade. As honras, à procura das quais se matam tanto as pessoas, quantos outros as desdenham até olhá-las como o que há de mais fútil e de mais frívolo? E, assim, quanto ao mais! O que a uns parece admirável, ao juízo doutros nada é. Mas quanto à amizade, toda a gente está de acordo: os que se ocupam dos negócios públicos, os que se apaixonaram pelo estudo e pelas indagações sapientes, e os que, longe do bulício, limitam os seus cuidados aos seus interesses privados: todos enfim, aqueles mesmos que se entregaram todos inteiros aos prazeres, declaram que a vida nada é sem a amizade, por pouco que queiram reservar a sua para algum sentimento honráveis.

Ela se insinua, com efeito, não sei como, no coração de todos os homens e não se admite que, sem ela, possa passar nenhuma condição da vida. Bem mais, se é um homem de natureza selvagem, muito feroz para odiar seus semelhantes e fugir do seu contacto, como fazia, diz-se, não sei mais que Timon de Atenas. É preciso ainda que este homem procure um confidente no seio do qual possa verter o seu veneno e o seu ódio. A necessidade da amizade será ainda mais evidente, se ele pudesse admitir que um Deus nos tirasse do seio da sociedade para nos colocar numa solidão profunda, onde, fornecendo-nos em abundância tudo o que a natureza nos pode propinar, nos subtraísse ao mesmo passo a esperança e os meios de ver jamais qualquer face humana.

Qual é a alma de ferro que suportaria uma tal existência e a quem a solidão não tornaria insípidos todos os gozos? Assim tenho por verdadeiras as palavras de Arquitas de Taranto, que entendi recordar a velhos que as ouviram eles próprios de seus pais: «se alguém subir ao céu, e de lá contemplar a beleza do universo e dos astros, todas essas maravilhas deixá-lo-ão indiferente, enquanto que o embasbacarão de surpresa se tiver de contá-las a alguém». Assim, a natureza do homem se recusa à solidão, e parece sempre procurar um apoio: e não o há mais doce que o coração de um terno amigo."

in "Diálogo sobre a Amizade", Marcus Cícero

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sábado, julho 15, 2006

Só p'ra dizer que te amo...

"Só p'ra dizer que te amo,
Nem sempre encontro o melhor termo,
Nem sempre escolho o melhor modo.
Devia ser como no cinema,
A língua inglesa fica sempre bem
E nunca atraiçoa ninguém.
O teu mundo está tão perto do meu
E o que digo está tão longe,
Como o mar está do céu.
Só p'ra dizer que te ámo
Não sei porquê este embaraço
Que mais parece que só te estimo.
E até o momento em que digo que não quero
E o que sinto por ti são coisas confusas
E até parece que estou a mentir,
As palavras custam a sair,
Não digo o que estou a sentir,
Digo o contrário do que estou a sentir.
O teu mundo está tão perto do meu
E o que digo está tão longe,
Como o mar está do céu.
E é tão difícil dizer amor,
É bem melhor dizê-lo a cantar.
Por isso esta noite, fiz esta canção,
Para resolver o meu problema de expressão,
P'ra ficar mais perto, bem mais de perto.
Ficar mais perto, bem mais de perto."

Clã

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The Birth of Venus...

Alexandre Cabanel

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Lost...

"You who never arrived
in my arms, Beloved, who were lost
from the start,
I don't even know what songs
would please you. I have given up trying
to recognize you in the surging wave of the next
moment. All the immense
images in me-- the far-off, deeply-felt landscape,
cities, towers, and bridges, and unsuspected
turns in the path,
and those powerful lands that were once
pulsing with the life of the gods-
all rise within me to mean
you, who forever elude me.

You, Beloved, who are all
the gardens I have ever gazed at,
longing. An open window
in a country house--, and you almost
stepped out, pensive, to meet me.
Streets that I chanced upon,--
you had just walked down them and vanished.
And sometimes, in a shop, the mirrors
were still dizzy with your presence and, startled,
gave back my too-sudden image. Who knows?
perhaps the same bird echoed through both of us
yesterday, seperate, in the evening..."

Rainer Maria Rilke

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...

"Quando o vento se levanta e passa, tua cabeça adormecida põe-se a brilhar.
Em redor dela um halo de sombra onde a minha mão entra, vagarosamente, pedindo-te um sinal".

Al Berto

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Compreensão sábia e activa...

"A primeira condição para libertar os outros é libertar-se a si próprio; quem apareça manchado de superstição ou de fanatismo ou incapaz de separar e distinguir ou dominado pelos sentimentos e impulsos, não o tomarei eu como guia do povo; antes de tudo uma clara inteligência, eternamente crítica, senhora do mundo e destruidora das esfinges; banirá do seu campo a histeria e a retórica; e substituirá a musa trágica por Platão e os geómetras.
Hei-de vê-lo depois de despido de egoísmo, atente somente aos motivos gerais; o seu bem será sempre o bem alheio; terá como inferior o que se deleita na alegria pessoal e não põe sobre tudo o serviço dos outros; à sua felicidade nada falta senão a felicidade de todos; esquecido de si, batalhará, enquanto lhe restar um alento, para destruir a ignorância e a miséria que impedem os seus irmãos de percorrer a ampla estrada em que ele marcha.

Nenhuma vontade de domínio; mandar é do mundo das aparências, tornar melhor de um sólido universo de verdades; se tiver algum poder somente o veja como um indício de que estão ainda muito baixos os homens que lho dão; incite-o o sentir-se superior a mais nobre e rude esforço para que se esbatam e percam as diferenças; não aproveite para mostrar a sua força a fraqueza dos outros; o bom lutador deseja que o combatam mais rijos lutadores.
Será grato aos contrários, mesmo aos que veem armados da calúnia e da injúria; compassivo da inferioridade que demonstram fará tudo que puder para que melhorem e se elevem; responderá à mentira com a verdade e ao ódio com o bem; tenazmente se recusará a entrar nos caminhos tortuosos; se o conseguirem abater, tocará com humildade a terra a que o lançaram, descobrirá sempre que do seu lado esteve o erro e de novo terá forças para a luta; e se o aplaudirem pense logo que houve um erro também."

in "Considerações e Outros Textos", Agostinho da Silva

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sexta-feira, julho 14, 2006

Lágrimas ocultas...



"Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...

E a minha triste boca dolorida,
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...

E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!"

Florbela Espanca
foto: autoe desconhecido

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O belo é necessário...

"Neste mundo o lindo é necessário. Há muitas poucas funções tão importantes como esta de ser encantadora. Que desespero na floresta se não houvesse o colibri! Exalar alegrias, irradiar venturas, possuir no meio das coisas sombrias uma transmudação de luz, ser o dourado do destino, a harmonia, a gentileza, a graça, é favorecer-te. A beleza basta ser bela para fazer bem. Há criatura que tem consigo a magia de fascinar tudo quanto a rodeia; às vezes nem ela mesmo o sabe, e é quando o prestígio é mais poderoso; a sua presença ilumina, o seu contacto aquece; se ela passa, ficas contente; se pára, és feliz; contemplá-la é viver; é a aurora com figura humana; não faz nada, nada que não seja estar presente, e é quanto basta para edenizar o lar doméstico; de todos os poros sai-lhe um paraíso; é um êxtase que ela distribui aos outros, sem mais trabalho que o de respirar ao pé deles. Ter um sorriso que - ninguém sabe a razão - diminui o peso da cadeia enorme arrastada em comum por todos os viventes, que queres que te diga? é divino."

in "Os Trabalhadores do Mar", Victor Hugo

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quinta-feira, julho 13, 2006

Allegorie de Soie...

Salvador Dali

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...

"Mas quem pode livrar-se por ventura
Dos laços que Amor arma brandamente
Entre as rosas e a neve humana pura,
O ouro e o alabastro transparente?
Quem de uma peregrina formosura,
De um vulto de Medusa propriamente,
Que o coração converte, que tem preso,
Em pedra não, mas em desejo aceso?"

Luis de Camões

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Modo de vida...

"(...) não te preocupes que fulano ou sicrano te achem estúpido.
Deixa que os outros te ofendam e te injuriem; desde que possuas a virtude em nada serás lesado por isso. Se queres ser feliz, se queres ser um homem de bem e digno de confiança, não te importes que os outros te desprezem."

Sócrates citado por Séneca, Cartas a Lucílio

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Eu quero...

Emilio Pucci

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Meu bem, você me dá água na boca...

"Meu bem, você me dá água na boca
Vestindo fantasias, tirando a roupa
Molhada de suor de tanto a gente se beijar
De tanto imaginar loucuras
A gente faz amor por telepatia
No chão, no mar, na lua, na melodia
Mania de você, de tanto a gente se beijar
De tanto imaginar loucuras
Nada melhor do que não fazer nada
Só pra deitar e rolar com você
Nada melhor do que não fazer nada
Só pra deitar e rolar com você
Meu bem você me dá água na boca
Vestindo fantasias, tirando a roupa
Molhada de suor de tanto a gente se beijar
De tanto imaginar loucuras
A gente faz amor por telepatia
No chão, no mar, na lua, na melodia
Mania de você, de tanto a gente se beijar
De tanto imaginar loucuras
Nada melhor do que não fazer nada
Só pra deitar e rolar com você
Nada melhor do que não fazer nada
Só pra deitar e rolar com você."

Rita Lee

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Violentíssima ternura...

"Que a vida fosse a mesma festa sempre
e os olhos encontrassem teu sorriso
um pouco mais de tempo e era a felicidade
um pouco mais de céu e era o paraíso

Comecei devagar, em dúvida de tudo
até saber que o ontem, para ti, fora de menos
pouca sorte, pouca vida, pouco amor
e aí senti o que se sente e não dizemos

e tudo que soubemos acabou
e aquilo que começou nós não sabemos

e pouco a pouco, tudo agigantou
que era demais e os olhos já sabiam
e aquela intensidade apenas confirmou
o futuro que as mãos não conheciam

fica a certeza de um início assim bonito
e no silêncio pressente-se a loucura
o turbilhão intenso subindo como um grito
e inexplicável, violentíssima, a ternura."

Pedro Barroso

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quarta-feira, julho 12, 2006

Hoje sinto-me assim...

Scarlett Johansson

"Ao reflectir sobre a frescura das recordações, sobre a cor encantada de que elas se revestem num passado longínquo, não pude deixar de admirar esse trabalho involuntário da alma que separa e suprime na recordação desses momentos agradáveis tudo o que poderia diminuir o encanto do momento então vivido.(...) Poderá uma pessoa afirmar ter sido feliz num determinado momento da sua vida, que lhe parece encantador retrospectivamente? O próprio facto de o recordar ao dar-se conta da felicidade que então deve ter sentido deve satisfazê-lo. Mas ter-se-ia sentido efectivamente feliz nesse instante de pretensa felicidade? Pode-se compara essa pessoa com um indivíduo que possuísse uma parcela de terra em que estivesse escondido um tesouro, do qual ele, contudo, não teria conhecimento. Poder-se-à considerar «rico» esse homem? Do mesmo modo não considero feliz aquele que o é sem se aperceber disso, ou sem saber a que ponto monta a sua felicidade."

in "Diário", Eugène Delacroix

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He aquí que el silencio fue integrado...

"He aquí que el silencio fue integrado
por el total de la palabra humana,
y no hablar es morir entre los seres:
se hace lenguaje hasta la cabellera,
habla la boca sin mover los labios,
los ojos de repente son palabras...
...Yo tomo la palabra y la recorro
como si fuera sólo
forma humana,
me embelesan sus líneas
y navego
en cada resonancia del idioma..."

Pablo Neruda

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...

"O amor não consiste em olhar um para o outro, mas sim em olhar juntos para a mesma direcção."

Antoine de Saint-Exupéry

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...

"A coragem é a primeira qualidade humana, pois garante todas as outras."

Aristóteles

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Só um lugar...

"Uma casa que nem fosse um areal
deserto; que nem casa fosse;
só um lugar
onde o lume foi acesso, e à sua roda
se sentou a alegria; e aqueceu
as mãos; e partiu porque tinha
um destino; coisa simples
e pouca, mas destino:
crescer como árvore, resistir
ao vento, ao rigor da invernia,
e certa manhã sentir os passos
de Abril
ou, quem sabe?, a floração
dos ramos, que pareciam
secos, e de novo estremecem
com o repentino canto da cotovia."

Eugénio de Andrade

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O Palácio da Ventura...



"Sonho que sou um cavaleiro andante.
Por desertos, por sóis, por noite escura,
Paladino do amor, busco anelante
O palácio encantado da Ventura!

Mas já desmaio, exausto e vacilante,
Quebrada a espada já, rota a armadura...
E eis que súbito o avisto, fulgurante
Na sua pomba e aérea formosura!

Com grandes golpes bato à porta e brado:
Eu sou o Vagabundo, o Deserdado...
Abri-vos, portas d'ouro, ante meus ais!

Abrem-se portas d'ouro, com fragor...
Mas dentro encontro só, cheio de dor,
Silêncio e escuridão - e nada mais!"

Antero de Quental
foto: Sir Fisher

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O quotidiano "não"...

"Estamos todos bem servidos
de solidão.
De manhã a recolhemos
do saco, em lugar de pão.

Pão é claro que temos
(não sou exageradão)
mas esta imagem do saco
contendo um pequeno «não»

não figura nesta prosa
assim do pé para a mão,
pois o saco utilizado,
que pode ser o do pão,

recebe modestamente
a corriqueira fracção
desse alimento que é
tão distribuído, tão

a domicílio como
o leite ou o pão.
Mas esse leitor aí
(bem real!) já diz que não,

que nunca viu no tal saco
o tal «não».
Ao que o poeta responde,
sem maior desilusão:

- Para dizer a verdade,
eu também não...
Mas estava confiante
na sua imaginação

(ou na minha...) e que sentia
como eu a solidão
e quanto ela é objecto
da carinhosa atenção

de quem hoje nos fornece
o quotidiano «não»,
por todos os meios, desde
a fingida distracção,

até ao entre-parêntesis
de qualquer reclusão..."

Alexandre O´Neill

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Girl Mirror...

Picasso

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segunda-feira, julho 10, 2006

O serpent heart, hid with a flowering face!...

JULIET

"O serpent heart, hid with a flowering face!
Did ever dragon keep so fair a cave?
Beautiful tyrant! fiend angelical!
Dove-feather'd raven! wolvish-ravening lamb!
Despised substance of divinest show!
Just opposite to what thou justly seem'st,
A damned saint, an honourable villain!
O nature, what hadst thou to do in hell,
When thou didst bower the spirit of a fiend
In moral paradise of such sweet flesh?
Was ever book containing such vile matter
So fairly bound? O that deceit should dwell
In such a gorgeous palace!"

in "Romeo and Juliet", William Shakespeare

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Psyche showing her sisters her gifts from Cupid...

Jean-Honoré Fragonard

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Eu sei, não te conheço mas existes...

"Eu sei, não te conheço mas existes.
por isso os deuses não existem, a solidão não existe
e apenas me dói a tua ausência
como uma fogueira ou um grito.
Não me perguntes como mas ainda me lembro
quando no Outono cresceram no teu peito
duas alegres laranjas que eu apertei nas minhas mãos
e perfumaram depois a minha boca
Eu sei, não digas, deixa-me inventar-te.
não é um sonho, juro, são apenas as minhas mãos
sobre a tua nudez como uma sombra no deserto.
É apenas este rio que me percorre há muito e desagua em ti,
Porque tu és o mar que acolhe os meus destroços.
É apenas uma tristeza inadiável, uma outra maneira
de habitares
Em todas as palavras do meu canto.
Tenho construído o teu nome com todas as coisas.
tenho feito amor de muitas maneiras,
docemente, lentamente desesperadamente
à tua procura, sempre á tua procura
até me dar conta que estás em mim,
que em mim devo procurar-te,
e tu apenas existes porque eu existo
e eu não estou só contigo
mas é contigo que eu quero ficar só
porque é a ti, a ti que eu amo."

Joaquim Pessoa

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Cada dia...

"Cada dia sem gozo não foi teu
Foi só durares nele. Quanto vivas
Sem que o gozes, não vives.

Não pesa que amas, bebas ou sorrias:
Basta o reflexo do sol ido na água
De um charco, se te é grato.

Feliz quem, por ter em coisas mínimas
Seu prazer posto, nenhum dia nega
A natural ventura!"

Ricardo Reis

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Olhas e só tu sabes... só tu me sabes...

"Fingir que está tudo bem: o corpo rasgado e vestido
com roupa passada a ferro, rastos de chamas dentro
do corpo, gritos desesperados sob as conversas: fingir
que está tudo bem: olhas-me e só tu sabes: na rua onde
os nossos olhares se encontram é noite: as pessoas
não imaginam: são tão ridículas as pessoas, tão
desprezíveis: as pessoas falam e não imaginam: nós
olhamo-nos: fingir que está tudo bem: o sangue a ferver
sob a pele igual aos dias antes de tudo, tempestades de
medo nos lábios a sorrir: será que vou morrer?, pergunto
dentro de mim: será que vou morrer?, olhas-me e só tu sabes:
ferros em brasa, fogo, silêncio e chuva que não se pode dizer:
amor e morte: fingir que está tudo bem: ter de sorrir: um
oceano que nos queima, um incêndio que nos afoga.

o tempo, subitamente solto pelas ruas e pelos dias,
como a onda de uma tempestade a arrastar o mundo,
mostra-me o quanto te amei antes de te conhecer.
eram os teus olhos, labirintos de água, terra, fogo, ar,
que eu amava quando imaginava que amava. Era a tua
a tua voz que dizia as palavras da vida. Era o teu rosto.
era a tua pele. Antes de te conhecer, existias nas árvores
e nos montes e nas nuvens que olhava ao fim da tarde.
muito longe de mim, dentro de mim, eras tu a claridade."

José Luís Peixoto

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domingo, julho 09, 2006

Forget-me-not...

photo: Dorota Grzegorczyk

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Amor é fogo que arde sem se ver...

"Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;

É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?"

Luís Vaz de Camões

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Era uma vez uma casa branca nas dunas, voltada para o mar...

"Era uma vez uma casa branca nas dunas, voltada para o mar. Tinha uma porta, sete janelas e uma varanda de madeira pintada de verde. Em roda da casa havia um jardim de areia onde cresciam lírios brancos e uma planta que dava flores brancas, amarelas e roxas.

Nessa casa morava um rapazito que passava os dias a brincar na praia.
Era uma praia muito grande e quase deserta onde havia rochedos maravilhosos. Mas durante a maré alta os rochedos estavam cobertos de água. Só se viam as ondas que vinham crescendo do longe até quebrarem na areia com barulho de palmas. Mas na maré vazia as rochas apareciam cobertas de limo, de búzios, de anémonas, de lapas, de algas e de ouriços. Havia poças de água, rios, caminhos, grutas, arcos, cascatas. Havia pedras de todas as cores e feitios, pequeninas e macias, polidas pelas ondas. E a água do mar era transparente e fria. Às vezes passava um peixe, mas tão rápido que mal se via. Dizia-se «Vai ali um peixe» e já não se via nada. Mas as vinagreiras passavam devagar, majestosamente, abrindo e fechando o seu manto roxo. E os caranguejos corriam por todos os lados com uma cara furiosa e um ar muito apressado.

O rapazinho da casa branca adorava as rochas. Adorava o verde das algas, o cheiro da maresia, a frescura transparente das águas. E por isso tinha imensa pena de não ser um peixe para poder ir até ao fundo do mar sem se afogar. E tinha inveja das algas que baloiçavam ao sabor das correntes com um ar tão leve e feliz.

Em Setembro veio o equinócio. Vieram marés vivas, ventanias, nevoeiros, chuvas, temporais. As marés altas varriam a praia e subiam até à duna. Certa noite, as ondas gritaram tanto, uivaram tanto, bateram e quebraram-se com tanta força na praia, que, no seu quarto caiado da casa branca, o rapazinho esteve até altas horas sem dormir. As portadas das janelas batiam. As madeiras do chão estalavam como madeiras de mastros. Parecia que as ondas iam cercar a casa e que o mar ia devorar o Mundo. E o rapazito pensava que, lá fora, na escuridão da noite, se travava uma imensa batalha em que o mar, o céu e o vento se combatiam. Mas por fim, cansado de escutar, adormeceu embalado pelo temporal.

De manhã quando acordou estava tudo calmo. A batalha tinha acabado. Já não se ouviam os gemidos do vento, nem gritos do mar, mas só um doce murmúrio de ondas pequeninas. E o rapazinho saltou da cama, foi à janela e viu uma manhã linda de sol brilhante, céu azul e mar azul. Estava maré vaza. Pôs o fato de banho e foi para a praia a correr. Tudo estava tão claro e sossegado que ele pensou que o temporal da véspera tinha sido um sonho."

in "A menina do Mar", Sophia de Mello Breyner Andresen

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Damos comummente às nossas ideias do desconhecido...

"Damos comummente às nossas ideias do desconhecido a cor das nossas noções do conhecido: se chamamos à morte um sono é porque parece um sono por fora; se chamamos à morte uma nova vida é porque parece uma coisa diferente da vida. Com pequenos mal-entendidos com a realidade construímos as crenças e as esperanças, e vivemos das côdeas a que chamamos bolos, como as crianças pobres que brincam a ser felizes. Mas assim é toda a vida; assim, pelo menos, é aquele sistema de vida particular a que no geral se chama civilização. A civilização consiste em dar a qualquer coisa um nome que lhe não compete, e depois sonhar sobre o resultado. E realmente o nome falso e o sonho verdadeiro criam uma nova realidade. O objecto torna-se realmente outro, porque o tornámos outro. Manufacturamos realidades. A matéria-prima continua a ser a mesma, mas a forma, que a arte lhe deu, afasta-a efectivamente de continuar sendo a mesma. Uma mesa de pinho é pinho mas também é mesa. Sentamo-nos à mesa e não ao pinho. Um amor é um instinto sexual, porém não amamos com o instinto sexual, mas com a pressuposição de outro sentimento. E essa pressuposição é, com efeito, já outro sentimento."

Fernando Pessoa

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O tempo há-de-nos ensinar como se faz...



"O teatro é sem dúvida o lugar certo para nos inteirarmos da brevidade da glória humana: oh, todas aquelas rutilantes e soberbas pantomimas, votadas hoje a um perfeito esquecimento!
É chegada a altura de abjurar da magia e tornar-me um eremita: colocar-me numa situação a partir da qual possa confessar a mim mesmo que já nada me resta fazer senão aprender a ser bom. O fim da vida é justamente tido como um tempo de meditação.
Irei arrepender-me de não me ter dedicado a isso mais cedo?"

in “O Mar, o Mar”, Iris Murdoch

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sábado, julho 08, 2006

Lá fora vai um redemoinho de sol os cavalos do "carroussel"...

"Lá fora vai um redemoinho de sol os cavalos do "carroussel"...
Árvores, pedras, montes bailam parados dentro de mim...
Noite absoluta na feira iluminada, luar no dia de sol lá fora,
E as luzes todas da feira fazem ruídos dos muros do quintal...
Ranchos de raparigas de bilha à cabeça
Que passam lá fora, cheias de estar sob o sol,
Cruzam-se com grandes grupos peganhentos de gente que anda na feira,
Gente toda misturada com as luzes das barracas, com a noite e com o luar,

E os dois grupos encontram-se e penetram-se
Até formarem só um que é os dois...
A feira e as luzes da feira e a gente que anda na feira,
Andam por cima das copas das árvores cheias de sol,
Andam visivelmente por baixo dos penedos que luzem ao sol,
Aparecem do outro lado das bilhas que as raparigas levam à cabeça,
E toda esta paisagem de primavera é a lua sobre a feira,
E toda a feira com ruídos e luzes é o chão deste dia de sol....

De repente alguém sacode esta hora dupla como numa peneira
E, misturado, o pó das duas realidades cai
Sobre as minhas mão cheias de desenhos de portos
Com grandes naus que se vão e não pensam em voltar...
Pó de ouro branco e negro sobre os meus dedos...
As minhas mão são os passos daquela rapariga que abandona a feira,
Sozinha e contente como o dia hoje..."

Fernando Pessoa

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Força...

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sexta-feira, julho 07, 2006

Sea horse...

Foto: Zena Holloway

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Sonhos...

"Ontem, quando senti a noite, segurei os teus dedos.
a tua pele nua não pode ser igual à minha memória.
ontem à noite, imaginei que segurei os teus dedos.

os teus cabelos talvez possam ser beijados. Os teus
lábios existem, ontem, ao ver-te, descobri que não
aprendi nada quando corri o mundo. O que é o olhar?

existe sempre ontem na memória que me enche de
sonhos. Os teus dedos tocam-me dentro dos sonhos.
nos teus lábios, imagino beijos. Perdi-me no mundo.

no mundo, há jardins e palácios onde nunca entrarás.
és demasiado bela para o mundo. Não te conheço.
quando entras para me servir, não te conheço.

ontem, esqueci todas as respostas: os teus dedos,
a tua pele e a memória. Os teus cabelos, os teus lábios
e os sonhos. Ontem, deixei de saber o que é um olhar."

José Luís Peixoto

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Hoje acordei assim...

Laetitia Casta
Que calor, vamos para as piscinocas??!!!
SIM!!!!

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quinta-feira, julho 06, 2006

Podia ser mentira, mas é verdade…

"Podia ser mentira, mas é verdade…
Vejo a minha existência como um tesouro e sinto-me protegida. Mas o mundo abre-me os olhos para muitos outros mundos, em que há pessoas que não têm nem nunca tiveram metade do que tenho. E essa sensação de impotência cansa-me porque sinto que só posso ajudar as pessoas escrevendo, enchendo-lhes a vida com histórias, tornando-me uma companhia num dia de maior tristeza ou solidão."

Margarida Rebelo Pinto

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...

"Seguramente que não há mais nada do que o propósito único do momento presente.
A vida inteira de um homem consiste na sucessão de um após outro momento.
Se entende plenamente o momento presente, não haverá mais nada a realizar ou a perseguir."

Yamamoto Tsunetomo

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Les demoiselles d' Avignon...

Picasso

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Esperança...

"Não digas o teu nome: ele é Esperança
vai até aos que sofrem sozinhos
à margem dos dias
e é a palavra que não escrevem
sobre as quatro paredes do tempo
o admirável silêncio que os defende
ou o sorriso o gesto a lágrima
que deixam nas mãos fiéis

Não digas o teu nome: quem o não sabe
quem não sabe o teu nome de fogo
quem o não viu entrar na sua noite
de pobre animal doente
e tomar conta dela
mesmo só pelo espaço de um sonho

O teu nome
até os objectos o sabem
quando nos pedem um uso diferente
os objectos tão gastos tão cansados
da circulação absurda a que os obrigam

As coisas também gritam por ti

E as cidades as cidades que morreram
na mesma curva exemplar do tempo
estão hoje em ti são hoje o teu nome
levantam-se contigo na vertigem
das ruas no tumulto das praças
na espera guerrilheira em que perfilas
o teu próprio sono"

Alexandre O´Neill

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quarta-feira, julho 05, 2006

Evitar a sabedoria de umbigo...

"Se alguém se inebria com o seu saber ao olhar para baixo de si, que volte o olhar para cima, rumo aos séculos passados, e abaixará os cornos ao encontrar aí tantos milhares de espíritos que o calcam aos pés. Se ele forma alguma ligeira presunção do seu valor, que se recorde das vidas dos dois Cipiões e dos incontáveis exércitos e povos que o deixam muito para trás. Nenhuma particular qualidade dará motivo de orgulho aquele que, ao mesmo tempo, tiver em conta os muitos traços de imperfeição e debilidade que em si há e, enfim, a nulidade da condição humana.
Porque Sócrates foi o único a compreender acertadamente o preceito do seu Deus, o de conhecer-se a si mesmo, e através de tal estudo, ter chegado a desprezar-se, só ele foi julgado digno de sobrenome de «sábio». Quem assim se conhecer, que tenha a audácia de, pela sua própria boca, o dar a conhecer."

in “Ensaios da Exercitação”, Michel de Montaigne

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Eu quero...

Bruno Frisoni
Black Stiletto with tartan

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Como se fosses noite...

"Como se fosses noite e me atirasses
uma corda de músculos e rosas.
Como se fosses noite e me deixasses
deslumbrado com todas as sombras,
com todos os silêncios,
com todos os passeios de mãos dadas com o impossível.

Com todos os minutos,
Os lentos, os belos, os terríveis minutos
que se escoam com a angústia nas escadas.
Como se fosses noite e acordasses
todos os olhares furtivos aos bancos vazios,
todos os passos hesitantes que ninguém segue
mas que deixam na rua deserta,
na cidade ausente,
o arabesco triunfal de um arcanjo que passa,
o rasto vitorioso dum condenado que dança,
rindo dos deuses que o julgaram."

José Carlos Ary dos Santos

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Elogio da loucura...

"O amoroso apaixonado já não vive em si, mas no que ama; quanto mais se afasta de si para se fundir no seu amor, mais feliz se sente. Assim, quando a alma sonha em fugir do corpo e renuncia a servir-se normalmente dos seus órgãos, podeis dizer com razão que ele enlouquece. As expressões correntes não querem dizer outra coisa: «Não está em si... Volta a ti... Ele voltou a si.» E quanto mais perfeito é o amor, maior a loucura e mais feliz.
Quem será, pois, essa vida no Céu, à qual aspiram tão ardentemente as almas piedosas? O espírito, mais forte e vitorioso, absorverá o corpo; isto será tanto mais fácil quanto mais purificado e extenuado tiver sido o corpo durante a vida. Por sua vez, o espírito será absorvido pela suprema Inteligência, cujos poderes são infinitos. Assim se encontrará fora de si mesmo o homem inteiro e a única razão da sua felicidade será de não mais se pertencer, mas de submeter-se a este soberano inefável, que tudo atrai a si.

Uma tal felicidade, é certo, só poderá ser perfeita no momento em que as almas, dotadas de imortalidade, retomem os antigos corpos. Mas, como a vida dos piedosos não é mais do que a meditação sobre a eternidade e como que a sombra dela, conseguem saborear e antegozar o perfume de tal vida. Isto não é mais do que uma gotinha em comparação com a fonte infindável da felicidade. Porém, é preferível a todos os prazeres da Terra, mesmo que se fundissem num só, de tal modo o espírito supera a matéria e o invisível o visível! Esta é a promessa do Profeta: «Os olhos não viram, os ouvidos não ouviram, o coração não sentiu as delícias que Deus prepara para os que o amam.» Tal é esta loucura que não acaba, mas que se aperfeiçoa com a passagem para a outra vida.
Aqueles que tiveram o privilégio tão raro de tais sentimentos, experimentam uma espécie de demência: falam sem coerência, pronunciam palavras sem sentido e a cada instante mudam a expressão do rosto. Ora tristes, ora alegres, riem, choram, suspiram. Em resumo, estão fora de si. Quando voltam a si, não sabem dizer onde estiveram, se estavam ou não no seu corpo, despertos ou adormecidos, que ouviram, disseram ou fizeram. Só se recordam como que através de um sonho ou de uma nuvem. Sabem somente que foram felizes durante tal loucura. Lamentam ter regressado à razão e sonham poder viver eternamente nesta loucura. E apenas saboreiam um ligeiro gosto da felicidade futura!"

in "Elogio da Loucura", Erasmo de Roterdão

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Os prazeres nunca parecem ser suficientes...

"Parece-me que a natureza trabalhou para ingratos: somos felizes, mas os nossos discursos são tais que parecemos nem sequer suspeitar disso. No entanto, encontramos prazeres em toda a parte: estão ligados ao nosso ser, e os pesares não passam de acidentes. Os objectos parecem em toda a parte preparados para os nossos prazeres: quando o sono nos chama, as trevas nos aguardam; e, quando acordamos, a luz do dia nos arrebata. A natureza é enfeitada de mil cores; os nossos ouvidos são lisonjeados pelos sons; as iguarias têm gosto agradável; e, como se a felicidade da existência não fosse suficiente, é ainda necessário que a nossa máquina precise de ser incessantemente reparada para os nossos prazeres."

in “Os Meus Pensamentos”, Baron de Montesquieu

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Underwater...



"Reino de medusas e água lisa
Reino de silêncio luz e pedra
Habitação das formas espantosas
Coluna de sal e círculo de luz
Medida da Balança misteriosa"

Sophia de Mello Breyner Andersen
foto: Salvatore Capasso

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Força...

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terça-feira, julho 04, 2006

É possivel...

"É possível falar sem um nó na garganta.
É possível amar sem que venham proibir.
É possível correr sem que seja a fugir.
Se tens vontade de cantar não tenhas medo: canta.
É possível andar sem olhar para o chão.
É possível viver sem que seja de rastos.
Os teus olhos nasceram para olhar os astros.
Se te apetece dizer não, grita comigo: não!
É possível viver de outro modo.
É possível transformar em arma a tua mão.
É possível viver o amor. É possível o pão.
É possível viver de pé.
Não te deixes murchar. Não deixes que te domem.
É possível viver sem fingir que se vive.
É possível ser homem.
É possível ser livre, livre, livre."

in "Letra para um Hino", Manuel Alegre

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Em busca...

"Busco en la muerte la vida,
salud en la enfermedad,
en la prisión libertad,
en lo cerrado salida
y en el traidor lealtad.

Pero mi suerte, de quien
jamás espero algún bien,
con el cielo ha estatuido,
que, pues lo imposible pido,
lo posible aún no me den."

Miguel de Cervantes

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The dance...

Paula Rego

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Ao Mistral (canção para dançar)...

"Mistral, caçador de nuvens
Matador de melancolia, corredor do céu,
Tu, que muges, como eu te amo!
Não somos um do outro os dois primícias,
de um mesmo seio, mesma sorte -
eternamente predestinados?

Aqui, atalhos lisos do rochedo,
que acorro dançando a teu encontro
Dançando conforme assobias e cantas,
Tu que sem navios e remos,
Livre irmão da liberdade,
Arremetes para os mares selvagens!

Mal desperto, ouvi teu apelo,
corri para as falésias,
para os rochedos amarelos do mar.
Saúde! Semelhante às brancas vagas
de torrente diamantina, descias
vitoriosamente da montanha.

Nas arenas do céu
vi galopar teus cavalos
vi o carro que se arrasta
vi o gesto de tua mão,
quando no dorso dos cavalos
deixa cair o relâmpago do chicote.

Eu te vi saltar do carro,
para acelerar a corrida,
Eu te vi como seta,
tombar inteiro no vale,
como um raio de ouro que trespassa
as rosas da primeira aurora.

Dança agora sobre mil costados,
Dorsos das vagas, vagas pérfidas,
Saúde a quem cria novas danças!
Dancemos então de mil modos,
que nossa arte seja chamada livre!
Gaia - nossa ciência!

Arranquemos a todas plantas
uma flor para nossa glória,
E duas folhas para uma coroa!
Dancemos como trovadores,
no meio de santos e de putas,
A dança entre Deus e o mundo!

Quem não sabe com os ventos
dançar e tropeça
como um velho,
aquele que é hipócrita,
glorioso e com falsas virtudes,
que deixe nosso paraíso.

Varramos a poeira das rotas,
ao nariz de todos doentes,
espantemos os débeis,
purifiquemos toda a costa,
do hálito de peitos encovados
e dos olhos sem coragem!

Expulsemos os que turbam o céu,
escurecem o mundo, espalham as nuvens!
Aclaremos o reino dos céus!
Mujamos - mais livre
de todos os espíritos livres,
contigo minha felicidade muge,
como a tempestade.

E toma, para que a lembrança
desta felicidade seja eterna,
recebe como herança,
a coroa que tens aqui!
Atira-a para o alto, mais longe,
ao assalto da escada celeste,
prende-a às estrelas!"

Friedrich W. Nietzsche

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Sorrisos...

"Há um Sorriso d'Amor,
E um Sorriso d'Enganar,
E há um entre os Sorrisos
Em que os dois se vão juntar.

Há uma Cara do Ódio,
E uma Cara de desdém,
E há uma entre essas Caras
Que a memória retém

No Fundo do Coração
E no mais fundo da Pele;
E Sorriso houve jamais,
Sorriso algum como aquele,

Que do Berço até à Cova
Só Sorri uma vez assim;
Mas quando ele assim Sorri
Toda a Tristeza tem fim."

William Blake

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O que é a Fé?...

"Força que nos permite aguentar, acreditar, amar, ser felizes apesar de tudo. A falta dela tira-nos o golpe de asa para percebermos o sentido verdadeiro da vida. Ao contrário do que se pensa, ter fé é muito mais difícil do que não a ter. Dá-nos segurança, felicidade, uma rede para as quedas abruptas que todos experimentamos, mas exige-nos uma entrega total, a dedicação que precisamos para ser humanos, a força de nos fazermos maiores que nós."

ou

"Forma de desistir, de deixar de acreditar no aqui para passar a sonhar com um além ilusório. Ter fé é cair na tentação fácil de acreditar numa entidade protectora e paternal que nos protege, mesmo quando não merecemos. Radica na ignorância, na preguiça, na obsessão, na falta de coragem para assumir a falta de sentido ou para assumirmos a necessidade de criarmos um sentido para nós próprios, não uma qualquer doutrina pré-fabricada e formatada por milénios de ilusões."

um excelente blog: http://bicionario.blogspot.com/

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Ups...

retirado do blog

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