quarta-feira, fevereiro 20, 2008

Largo do Carmo...

A 11.000 Kms de Lisboa, há outro Largo do Carmo em Macau

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Fados...

"Nasce o dia na cidade, que me encanta
Na minha velha Lisboa, de outra vida
E com um nó de saudade, a garganta
Escuta um fado que se entoa à despedida…
E com um nó de saudade, a garganta
Escuta um fado que se entoa à despedida…

Foi nas tabernas de Alfama, em hora triste,
Que nasceu esta canção, o seu lamento
Na memória dos que vão tal como o vento,
O olhar de quem se ama e não desiste…
Na memória dos que vão tal como o vento,
O olhar de quem se ama e não desiste

Quando brilha a antiga chama ou sentimento,
Oiço este mar que ressoa enquanto canta
E Da Bica à Madragoa, num momento,
Volta sempre esta ansiedade da partida,
Nasce o dia na cidade que me encanta,
Da minha velha Lisboa de outra vida…

Quem vive só do passado sem motivo,
Fica preso a um destino que o invade,
Mas na alma deste fado, sempre vivo,
Cresce um canto cristalino, sem idade.
Mas na alma deste fado, sempre vivo,
Cresce um canto cristalino, sem idade.

É por isso que imagino, em liberdade,
Uma gaivota que voa, renascida,
E já nada me magoa ou desencanta
Nas ruas desta cidade amanhecida.

Mas com um nó de saudade na garganta
Escuto um fado que se entoa à despedida!"

Fernando Pinto do Amaral, cantado por Carlos do Carmo no filme Fados, de Carlos Saura (Prémio Goya para a Melhor Canção Original)

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segunda-feira, fevereiro 18, 2008

Hoje sinto-me assim...

Scarlett Johansson

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Felicidade e virtude...

"Como, ao que parece, há muitos fins e podemos buscar alguns em vista de outros: por exemplo, a riqueza, a música, a arte da flauta e, em geral, todos aqueles fins que podem denominar-se instrumentos, é evidente que nenhum desses fins é perfeito e definitivo por si mesmo. Mas o sumo bem deve ser coisa perfeita e definitiva. Por conseguinte, se existe uma só e única coisa que seja definitiva e perfeita, ela é precisamente o bem que procuramos; e se há muitas coisas deste género, a mais definitiva entre elas será o bem. Mas, em nosso entender, o bem que apenas deve buscar-se por si mesmo é mais definitivo que aquele que se procura em vista de outro bem; e o bem que não deve buscar-se nunca com vista noutro bem é mais definitivo que os bens que se buscam ao mesmo tempo por si mesmos e por causa desse bem superior; numa palavra, o perfeito, o definitivo, o completo, é o que é eternamente apetecível em si, e que nunca o é em vista de um objecto distinto dele.
Eis aí precisamente o carácter que parece ter a felicidade; buscamo-la por ela e só por ela, e nunca com mira em outra coisa. Pelo contrário, quando buscamos as honras, o prazer, a ciência, a virtude, sob qualquer forma que seja, desejamos, indubitavelmente, todas essas vantagens por si mesmas; pois que, independentemente de toda outra consequência, desejaríamos cada uma delas; todavia, desejamo-las também com mira na felicidade, porque cremos que todas essas diversas vantagens no-la podem assegurar; enquanto ninguém pode desejar a felicidade, nem com mira nestas vantagens, nem, de maneira geral, com vista em algo, seja o que for, distinto da felicidade mesma.

(...) Todavia, ainda convindo connosco em que a felicidade é, sem contradita, o maior dos bens, o bem supremo, talvez haja quem deseje conhecer melhor a sua natureza.
O meio mais seguro de alcançar esta completa noção é saber qual é a obra própria do homem. (...) Viver é uma função comum ao homem e às plantas, e aqui apenas se busca o que é exclusivamente especial ao homem; é por isso necessário pôr de lado a vida de nutrição e de desenvolvimento. Em seguida vem a vida da sensibilidade, mas esta, por sua vez, mostra-se igualmente comum a todos os seres - o cavalo, o boi, e em geral a todos os animais, tal como ao homem. Resta, portanto, a vida activa do ser dotado de razão. Mas neste ser deve distinguir-se a parte que não possui directamente a razão e se serve dela para pensar. Além disso, como esta mesma faculdade da razão se pode compreender num duplo sentido, devemos não esquecer que se trata aqui, sobretudo, da faculdade em acção, a qual merece mais particularmente o nome que a ambas convém. E assim o próprio do homem será o acto da alma em conformidade com a razão, ou, pelo menos, o acto da alma que não pode realizar-se sem a razão. (...) Mas o bem, a perfeição para cada coisa, varia segundo a virtude especial dessa coisa. Por conseguinte, o bem próprio do homem é a actividade da alma dirigida pela virtude; e, como há muitas virtudes, será a actividade dirigida pela mais alta e a mais perfeita de todas. Acrescente-se também que estas condições devem ser realizadas durante uma vida inteira e completa, porque uma só andorinha não faz a Primavera, nem um só dia formoso; e não pode tão-pouco dizer-se que um só dia de felicidade, nem mesmo uma temporada, bastam para fazer um homem ditoso e afortunado."

in “Ética a Nicómaco”, Aristóteles

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Segredo...

"Esta noite morri muitas vezes, à espera
de um sonho que viesse de repente
e às escuras dançasse com a minha alma
enquanto fosses tu a conduzir
o seu ritmo assombrado nas trevas do corpo,
toda a espiral das horas que se erguessem
no poço dos sentidos. Quem és tu,
promessa imaginária que me ensina
a decifrar as intenções do vento,
a música da chuva nas janelas
sob o frio de Fevereiro? O amor
ofereceu-me o teu rosto absoluto,
projectou os teus olhos no meu céu
e segreda-me agora uma palavra:
o teu nome - essa última fala da última
estrela quase a morrer
pouco a pouco embebida no meu próprio sangue
e o meu sangue à procura do teu coração."

Fernando Pinto do Amaral

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Amour et Psiche...

François Gerard

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O insecto...

"Das tuas ancas aos teus pés
quero fazer uma longa viagem.

Sou mais pequeno que um insecto.

Percorro estas colinas,
são da cor da aveia,
têm trilhos estreitos
que só eu conheço,
centímetros queimados,
pálidas perspectivas.

Há aqui um monte.
Nunca dele sairei.
Oh que musgo gigante!
E uma cratera, uma rosa
de fogo humedecido!

Pelas tuas pernas desço
tecendo uma espiral
ou adormecendo na viagem
e alcanço os teus joelhos
duma dureza redonda
como os ásperos cumes
dum claro continente.

Para teus pés resvalo
para as oito aberturas
dos teus dedos agudos,
lentos, peninsulares,
e deles para o vazio
do lençol branco
caio, procurando cego
e faminto teu contorno
de vaso escaldante!"

Pablo Neruda

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quinta-feira, fevereiro 07, 2008

A espantosa realidade das coisas...

"A espantosa realidade das coisas
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada coisa é o que é,
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta.
Basta existir para se ser completo.
Tenho escrito bastantes poemas.
Hei-de escrever muitos mais, naturalmente.
Cada poema meu diz isto,
E todos os meus poemas são diferentes,
Porque cada coisa que há é uma maneira de dizer isto.
Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra.
Não me ponho a pensar se ela sente.
Não me perco a chamar-lhe minha irmã.
Mas gosto dela por ela ser uma pedra,
Gosto dela porque ela não sente nada,
Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo.
Outras vezes oiço passar o vento,
E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.
Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto;
Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem esforço,
Nem ideia de outras pessoas a ouvir-me pensar;
Porque o penso sem pensamentos,
Porque o digo como as minhas palavras o dizem.
Uma vez chamaram-me poeta materialista,
E eu admirei-me, porque não julgava
Que se me pudesse chamar qualquer coisa.
Eu nem sequer sou poeta: vejo.
Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho:
O valor está ali, nos meus versos.
Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade."

Alberto Caeiro

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sábado, fevereiro 02, 2008

A racionalização das emoções...

O ponto de vista feminino tem sido muito mais difícil de expressar que o masculino. Se assim me posso exprimir, o ponto de vista feminino não passa pela racionalização por que o intelecto do homem faz passar os seus sentimentos. A mulher pensa emocionalmente; a sua visão baseia-se na intuição. Por exemplo, ela pode ter um sentimento em relação a qualquer coisa que nem sequer é capaz de articular.
A princípio, achei extremamente difícil descrever como me sentia. Porém, se fazemos psicanálise, a questão é sempre: «Como é que se sentiu em relação a isso?» e não «O que é que pensou?» E como muito frequentemente a mulher não deu o segundo passo, que é explicar a sua intuição - por que passos lá chegou, o a-b-c daquilo - ela não consegue ser tão articulada.

Ora eu tentei fazer isso (quer tenha conseguido quer não), e, porque estava a escrever um diário que pensava que ninguém leria, consegui anotar o que sentia acerca das pessoas ou o que sentia acerca do que via sem o segundo processo. O segundo processo veio através da psicanálise, que era igualmente um método de comunicar com o homem em termos de uma racionalização das nossas emoções de modo que pareçam fazer sentido ao intelecto masculino. Por isso existe uma diferença, penso eu, que é muito profunda, mas que está a começar a desaparecer. Com efeito, penso que, quando a geração mais jovem passa por qualquer experiência psicanalítica descobre que os sonhos dos homens e das mulheres são os mesmos, o inconsciente é universal, e que aí as coisas brotam do sentimento e do instinto e não passaram pelo processo de racionalização, e portanto este é um ponto de vista feminino.

in "Fala Uma Mulher", Anais Nin

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